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O Governo do Estado de São Paulo enviou para a Assembleia Legislativa (Alesp), na última quarta-feira (12), um projeto de lei que traz como justificativa “combater os impactos orçamentários causados pela pandemia do coronavírus.” O conteúdo do PL dispõe, entre outras medidas, sobre a extinção de duas empresas, três fundações e quatro autarquias – entre elas a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN).

Em nota a respeito do projeto que, uma vez aprovado, encerrará as atividades desse importante órgão, os servidores da SUCEN lamentam a atitude do Governo de São Paulo e fazem um alerta à sociedade sobre os impactos que a extinção dos serviços prestados pela autarquia causará na vida da população paulista. Leia abaixo.

A SUCEN, O CONTROLE E A PESQUISA CIENTÍFICA

Os trabalhos e estudos realizados pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) permeiam o desenvolvimento dos níveis da Saúde Pública do Estado de São Paulo, com consequências indiscutíveis na melhoria das condições de vida e no crescimento social e econômico do Estado de São Paulo e, subsequente, no progresso nacional.

Ainda que a denominação da SUCEN date o ano de 1975, a história da Instituição com a finalidade do controle e busca de conhecimentos sobre as endemias em território paulista, remonta o começo do século passado com a malária e a Doença de Chagas. Já como SUCEN, recebeu a incumbência de atuação com a esquistossomose, a leishmaniose tegumentar americana e visceral, a febre amarela e após 1985, encabeçou o controle e vigilância das espécies dos mosquitos vetores da dengue, que mais recentemente responderam pela introdução e disseminação de doenças até então pouco conhecidas, como por exemplo, causadas pelo vírus Zika.

A SUCEN agregou as responsabilidades do Serviço de Profilaxia da Malária (SPM), posteriormente designado Serviço de Erradicação da Malária e Profilaxia da Doença de Chagas (SEMPDC) instaurado em 1960 e da Campanha de Combate à Esquistossomose (CACEsq) em 1976.

Em síntese, o percurso da SUCEN e dos profissionais do quadro da Instituição até os dias atuais, segue relevante na redução dos riscos da aquisição e transmissão de agentes infecciosos, como o Plasmodium falciparum e P. vivax, Trypanosoma cruzii, Schistosoma mansoni, do gênero Leishmania e dos vetores dos vírus da dengue, Chicungunya e Zika. A atuação da SUCEN também foi relevante para o controle dos surtos recentes de febre amarela e maculosa.

A história do sucesso no controle desses problemas de Saúde Pública pela SUCEN decorreu da disponibilidade de recursos humanos capacitados e especializados em diferentes áreas do conhecimento e da manutenção de um quadro de pessoal qualificado, condições fundamentais na contenção da perda de vidas e redução dos custos relacionados ao atendimento da população quando atingida por esses patógenos, muitas vezes responsáveis por sequelas e quadros crônicos debilitantes e incapacitantes para o trabalho.

Hoje a SUCEN ainda abriga um conjunto de profissionais com capacidade para a orientação das equipes municipais de saúde, que fornecem respostas e ações de controle, vigilância e de pesquisa, reconhecidamente relevantes para a Saúde Coletiva, seja pela letalidade, caso da malária, como pelo desenvolvimento de formas crônicas incapacitantes, como as leishmanioses, a Doença de Chagas e a esquistossomose. À propósito do quadro de pessoal da SUCEN, composto de pouco mais de mil profissionais de nível médio e universitário, com pesquisadores de diversas formações, compõe um conjunto de profissionais de alta especialização e capacitação para o desenvolvimento de ações e pesquisas não disponíveis na maioria dos municípios e em outros Órgãos e Instituições do Estado.

Em resumo, a extinção da SUCEN é um fato preocupante e, certamente terá impacto e reflexos negativos com relação às doenças endêmicas, em razão da descontinuidade de projetos e atividades do controle, vigilância e pesquisa científica.

Em contraste com a necessidade da atenção e investimento para a melhoria das condições do controle das endemias, que atualmente rondam e causam transtornos na maioria dos municípios, com repercussões negativas para o desenvolvimento econômico paulista, a iniciativa da extinção parece uma medida desprovida do conhecimento da real situação do Estado.

A título de esclarecimento, no âmbito do território paulista, em razão da circulação de casos e disseminação dos vetores, ainda permanecem riscos da aquisição de certas doenças endêmicas, como a esquistossomose, a malária, as leishmanioses, a dengue, entre outras, com a possibilidade do desenvolvimento de formas graves, como da neuroesquistossomose por perda da imunidade. Embora com casos caracterizados pela baixa intensidade parasitária, a transmissão da esquistossomose, por exemplo, segue com focos ativos nas regiões do Vale do Paraíba e do Ribeira, do Médio Paranapanema, Baixada Santista e Litoral Norte.

Recentemente os trabalhos, estudos e pesquisas efetuados pela SUCEN também demonstraram a dispersão e disseminação continuada de exemplares de espécies dos vetores infectados por T. cruzii, condição que favorece a ressurgência da Doença de Chagas. A interrupção da transmissão vetorial desse grave problema de Saúde Pública, datada de fins dos anos 70 do século passado, indica o risco iminente do aparecimento de novos casos humanos, então restrito a certos municípios do interior paulista, sendo que atualmente acontece em municípios da Região Metropolitana da Grande São Paulo com o reencontro de Panstrongylus megistus.

A respeito da malária, ainda persistente em São Paulo, com transmissão sazonal em municípios com cobertura da Mata Atlântica, permanece devido à presença de espécies de mosquitos anofelinos vetores e à circulação de doentes que procedem de outras regiões endêmicas brasileiras. Nos casos da malária é fundamental a pesquisa e vigilância sobre os vetores, complementada pela atuação com o diagnóstico rápido dos portadores e definição das medidas mais adequadas de controle para que as repercussões na população não assumam maiores proporções.

No caso, a SUCEN é responsável pelas pesquisas de campo e laboratório com os vetores, pela supervisão da qualidade dos resultados do diagnóstico dos casos humanos suspeitos da infecção por Plasmodium, além do desenvolvimento de estudos e pesquisas científicas para detecção de possível resistência à terapêutica e aplicação de técnicas de diagnóstico rápido para a redução dos riscos de agravamento das infecções.

No mais, é sobejamente conhecido o engajamento dos pesquisadores e do conjunto de profissionais da SUCEN nos esforços para a contenção das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, em trabalhos integrados com as equipes municipais, que certamente reduzem a possibilidade de incidência da dengue hemorrágica e, mais recentemente, dos casos de Chicungunya e Zika.

Por fim, merece destaque a qualidade dos resultados dos trabalhos, estudos, projetos e pesquisas registrados em notável número de revistas científicas de circulação nacional e internacional.

Conquanto as repercussões negativas da circulação do coronavírus sejam inegáveis, a interrupção dos trabalhos da SUCEN terá repercussões desfavoráveis à população que somarão efeitos já causados pela COVID-19, de maneira irreversível e que transcendem as razões econômicas e financeiras que servem de pano de fundo para a justificativa de sua extinção.

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