zika

Uma pesquisa inédita da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) descobriu como a cepa brasileira do zika vírus interfere na formação de neurônios. O estudo, que teve o doutor em bioquímica Daniel Martins de Souza como um dos líderes, pode ajudar na criação futura de medicamentos e terapias para evitar a microcefalia, causada em decorrência da infecção de grávidas pelo vírus.

A descoberta observou que a variante brasileira pode afetar a comunicação, o crescimento e até mesmo a sobrevivência de neurônios. Essas alterações moleculares causadas pelo vírus ocasionam distúrbios neurológicos, falhas no neurodesenvolvimento e malformações do sistema nervoso.

O estudo foi publicado na revista americana Molecular Neurobiology e leva o nome de 18 cientistas, tendo como primeira autora a bióloga Juliana Minardi Nascimento.

“O que a gente viu de inédito, é que o vírus brasileiro perturba a engrenagem celular envolvida com o neurodesenvolvimento. Quando você tem uma célula neural, ela está destinada a ser neurônio. O problema é que o vírus brasileiro mexe justamente no pedaço da produção que é responsável por tornar aquela célula um neurônio. A gente suspeitava, mas agora a gente sabe qual o pedaço da produção do neurônio que é perturbado pelo zika vírus”, explicou Souza.

O trabalho é fruto de um esforço conjunto entre o Laboratório de Neuroproteômica (LNP-Unicamp), o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto D’or de Pesquisa e Educação (IDOR), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).

Cepa brasileira é a que causa microcefalia

Segundo o pesquisador, a cepa brasileira do zika vírus está associada com o aparecimento da microcefalia em bebês. Até o momento, a ciência sabia que o vírus interferia no desenvolvimento neurológico, mas não sabia especificamente como. Isso porque, segundo Souza, as pesquisas em microcefalia se atentavam à parte morfológica do cérebro, sob um olhar macrocelular.

“O intuito da pesquisa foi investigar as alterações moleculares que a cepa brasileira do zika vírus poderia induzir em células do sistema nervoso central, que pudessem estar associadas à microcefalia, observada em crianças cujas mães foram infectadas pelo vírus durante a gravidez. Então, a gente pensou que o aparecimento da microcefalia pudesse estar associado ao neurodesenvolvimento que acontece no útero”, disse.

A microcefalia é quando o cérebro do feto não se desenvolve apropriadamente. A condição pode ser causada por diversos fatores, sendo um deles a infecção pela zika vírus brasileiro.

Contudo, segundo o pesquisador, outras variantes do vírus, como a cepa africana, não estão relacionadas com o aparecimento da microcefalia, apesar de serem “vírus primos”. Isso porque a linhagem da África não consegue infectar o cérebro, sendo isto uma característica da variante do Brasil.

Testes e descoberta

Para entender como a cepa brasileira do zika vírus interfere na formação do cérebro, os pesquisadores cultivaram, em laboratório, células-tronco neurais e, com elas, criaram dois modelos: um representando o neurônio, outro representando conexões mais complexas do sistema nervoso, com células além dos neurônios. Cada modelo, então, foi replicado três vezes e, posteriormente, infectados com a cepa brasileira, a cepa africana ou o vírus da dengue (também utilizado para grupo controle).

De acordo com Souza, o zika vírus brasileiro tem algumas similaridades à cepa africana e ao vírus da dengue, mas, como esses não causam microcefalia, o que os pesquisadores tentaram entender é o que a cepa brasileira fazia de diferente nas células-tronco.

A descoberta foi relacionada à interferência na produção de um grupo de proteínas importantes para a formação, a sobrevivência e a comunicação das células infectadas desde o começo de seu desenvolvimento, o que, quando projetado em um sistema vivo, mostra potencial para prejudicar seriamente a formação do sistema nervoso.

Ao g1, Souza explica que o próximo passo é validar esses achados em modelos sofisticados, como organóides cerebrais, uma simulação de cérebros in vitro, e posteriormente em modelos animais. A expectativa é que os novos testes confirmem os resultados e, em um futuro, o estudo seja utilizado para criação de terapias que possam evitar a microcefalia.

“Esse é o primeiro passo para gente pensar no desenvolvimento de terapias que possam ser viáveis para evitar a microcefalia em crianças de mães infectadas. A gente agora sabe qual a parte da maquinaria cerebral que é alterada pelo vírus. Então, sabendo isso, a gente tem alvos moleculares que podem ser mirados para o desenvolvimento de novas terapias”, completou.

Fonte: g1

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