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Instituições de ensino superior e de pesquisa (universidades públicas, institutos federais, CEFET, institutos estaduais de pesquisa e empresas públicas de pesquisa), comprometidas com a produção de conhecimento público, voltado à inclusão e de interesse social, são fundamentais para o desenvolvimento, no sentido de atender às necessidades históricas do conjunto da sociedade, em especial da classe trabalhadora brasileira. Foi com o objetivo de defender a produção de conhecimento público que entidades sindicais, de representação de docentes, pesquisadoras e pesquisadores, núcleos e grupos de pesquisa criaram o Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública (MCTP).

Desde o seu surgimento, em 2015, o MCTP esteve sempre voltado a lutar:

– contra a privatização das universidades públicas, institutos federais e CEFET;
– contra a privatização de institutos e empresas públicas de pesquisa;
– contra a privatização do conhecimento gerado a partir de financiamento público;
– pela quebra de patentes para que a sociedade tenha acesso ao conhecimento gerado;
– pela democracia e liberdade de expressão nas instituições públicas de ensino superior e de pesquisa.

Neste sentido, queremos, com esta Carta, que candidatos, candidatas e candidates às Assembleias Legislativas dos Estados, à Câmara dos Deputados, ao Senado, aos Governos Estaduais e à Presidência da República nas eleições de 2022 se comprometam com nossas lutas e reivindicações. Instamos as candidaturas aos legislativos e executivos estaduais e federal a se comprometerem com:

1. A reversão do processo de privatização das universidades públicas, institutos federais e CEFET!

Embora os discursos oficiais tratem as políticas de contingenciamento como consequência natural das crises econômicas, na realidade, o país está sendo submetido a uma política intencional de sucateamento das instituições públicas de ensino superior (IES) e dos institutos de pesquisa.

Esse sucateamento ocorre por meio dos seguintes mecanismos:

i) o corte de orçamento com o sequestro do fundo público para alimentar o sistema da dívida e o interesse do capital. O governo federal cortou, em 27 de maio deste ano, R$ 3,2 bilhões, o equivalente a 14,5% do orçamento discricionário do Ministério da Educação. Este bloqueio significou para universidades e institutos federais um corte de R$ 2,22 bilhões. Mesmo com o desbloqueio de 1,6 bilhão, logo em seguida, esse procedimento de represar a chegada de recursos acaba por dificultar o planejamento e a execução das ações das IES que, em muitos casos, significam o cancelamento de atividades de ensino, pesquisa e extensão. E cabe ressaltar que os cortes orçamentários de 2022 se somam a uma série de ataques e retiradas de recursos de anos anteriores;

ii) a cobrança de mensalidades de estudantes. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, em 2017, constitucional a cobrança de mensalidade em cursos de pós-graduação lato sensu por universidades públicas. Uma medida privatista que escancara a articulação entre interesses do capital e dos poderes executivo, legislativo e judiciário no Brasil. Com a luta de trabalhadores, trabalhadoras e estudantes, conseguimos barrar temporariamente a tramitação da PEC n° 206/2019 que abre a possibilidade de cobrança de mensalidade nos cursos de graduação. Temos nos mantido em alerta e entendemos que defender a gratuidade do acesso de alunas e alunos aos cursos superiores, a manutenção e ampliação das políticas de cotas e de permanência e a manutenção da autonomia de gestão patrimonial e financeira são centrais para a preservação do caráter público das universidades federais, estaduais e municipais, institutos federais e CEFET;

iii) tentativa de acelerar as contrarreformas da educação superior pública a partir dos interesses do capital. Um dos ataques principais, neste momento, tem sido o andamento da proposta de Reuni Digital, que pretende destruir o projeto de universidade pública no Brasil com a articulação de um modelo de ensino híbrido/digital, sistemas de controle do ensino, da administração e financiamento ligados às plataformas das multinacionais do campo (Google e Microsoft). Por isso, compreendemos, como ação fundamental, barrar o Reuni Digital, bem como outras ações que se articulam a essas propostas nos estados e municípios;

iv) o arrocho salarial tem sido usado estrategicamente para que docentes, pesquisadoras e pesquisadores das IES adiram ao “empreendedorismo acadêmico”, buscando parcerias com o setor privado;

v) a falta de contratação de servidoras e servidores técnico-administrativos e docentes, além de afetar as condições de trabalho, interfere na qualidade das atividades desenvolvidas.

2. A reversão do processo de privatização dos institutos e empresas públicas de pesquisa!

Faz parte da mesma política de sucateamento das IES o desmonte das instituições públicas de pesquisa. Isso pode ser observado nos cortes de recursos dessas instituições.

Após corte de R$ 2,9 bilhões, ocorrido no início de 2022, recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para este ano representam apenas 38% do orçamento de 2014. Esse corte compromete, além de outros programas de investimento em ciência e tecnologia, a sobrevivência de institutos de pesquisa.

A Fiocruz, por exemplo, que é uma das mais importantes instituições de pesquisa brasileira na área de vacinas, ligada ao Ministério da Saúde (MS), teve um corte de R$ 11 milhões em seu orçamento neste ano de 2022.

Na Embrapa, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o orçamento para 2022 terá um corte de R$ 43,8 milhões. É importante destacar que nos últimos anos a Empresa vem sofrendo sucessivos cortes e contingenciamentos do orçamento aprovado, o que tem provocado a descontinuidade de vários projetos de pesquisa.

Além disso, é importante destacar que, nos estados, tais medidas também estão aceleradas.

São Paulo, por exemplo, que possui por volta de 60 unidades públicas de pesquisa instaladas em seu território, a não contratação de pesquisadores tem sido um indicativo da privatização das instituições. Os institutos de pesquisa ligados à Secretaria da Saúde do Estado, por exemplo, perderam 145 pesquisadores desde 2014. Há também cerca de 2,5 mil cargos vagos das carreiras de apoio à pesquisa (76% do quadro de funcionários), não preenchidos pela ausência de concursos. Já nos seis institutos de pesquisa ligados à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, há, atualmente, 496 pesquisadores na ativa e 716 cargos vagos. O último concurso para admissão de pesquisadores foi realizado em 2003. Além disso, a Assembleia Legislativa, por meio da Lei n° 16.338/2016, autorizou a alienação de 12 imóveis pertencentes a essa Secretaria. Destaque deve ser dado ao Instituto Butantã, que é também ligado à Secretaria de Saúde de São Paulo, que foi oferecido pelo governador do Estado, no Fórum Econômico Mundial em Davos, em janeiro de 2019, a investidores internacionais, os quais lucrariam se o tornasse o maior produtor mundial de vacinas. É fundamental reverter a extinção de institutos de pesquisa, ocorrida em 2020 pela Lei 17293/2020, restabelecendo os Institutos Florestal, de Botânica, Geológico e Sucen (Superintendência de Controle de Endemias), em benefício da sociedade.

Desse modo, lutar contra a venda do patrimônio e pela contratação de pesquisadores para os institutos públicos de pesquisa é fundamental para a que o País produza conhecimento voltado aos interesses sociais.

3. A revogação das legislações voltadas à privatização do conhecimento!

Além da privatização das instituições de pesquisa, também está em curso a privatização do conhecimento produzido no Brasil. Isso pode ser constatado no processo de proteção e comercialização das pesquisas acadêmicas, por meio do uso do sistema de patentes, o qual tem sido cada vez mais incentivado nos últimos anos.

Segundo dados recentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), as cinco instituições nacionais com maior número de depósitos de patentes de invenção são todas universidades públicas. A Unicamp, que em 2019 era a líder entre elas, possuía naquele ano 1087 pedidos depositados no INPI e 131 contratos com empresas para a exploração de patentes. Chama a atenção que, além das patentes universitárias serem um mecanismo de apropriação privada do conhecimento produzido, o retorno financeiro para as universidades por meio desses contratos de licenciamento também é bastante pífio, haja vista que a Unicamp recebeu R$ 1.607.772 de royalties naquele ano.

Outro mecanismo voltado à apropriação privada do conhecimento foi implementado pelo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016), permitindo que “acadêmicos empreendedores” se transmutem em empresários, de modo a se apropriarem de uma maior parcela dos cerca de 1% do PIB brasileiro que é, anualmente, investido em P&D. O Marco Legal permite a criação de Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovações (ICT) com estatuto jurídico de Organizações Sociais (OS) para o desenvolvimento de atividades de pesquisa, as quais poderão: i) receber recursos públicos de todos os entes federados e fundações de apoio para a cobertura de todas as suas despesas e ii) receber recursos de pessoal (pesquisadores) pagos com recursos públicos. Na prática, os ICT tendem a substituir as instituições públicas de pesquisa.

Diante disso, impedir a apropriação privada do conhecimento produzido pelas instituições públicas de ensino e pesquisa brasileiras e aqueles produzidos com financiamento público é indispensável para a promoção do desenvolvimento socioeconômico do País. Por isso, é fundamental a revogação de todas essas legislações e medidas que fazem avançar os processos de privatização da ciência e tecnologia no Brasil.

4. A quebra de patentes para que a sociedade tenha acesso ao conhecimento gerado!

Estudo produzido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), em 2013, indicou o Brasil como exemplar para o “uso célere e eficaz” da quebra de patentes.

Segundo as entidades, experiências práticas mostram que o poder de barganha criado pela possibilidade legal de quebra de patentes pode beneficiar países em desenvolvimento. Ao quebrar a patente do medicamento Efavirenz, para tratamento da AIDS, o Brasil poupou cerca de US$ 1,2 bilhão com a compra desse produto. O medicamento original custava US$ 15,90 e, o genérico, US$ 0,43. Como destacado por essas organizações, somente a ameaça de quebrar patentes já permite ao governo brasileiro induzir a baixa de preços de remédios.

Voltado à quebra de patentes, tramita no Senado Federal o PL n° 12/2021, que suspende o Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) enquanto vigorar a situação de emergência de saúde pública relacionada à Covid-19 no Brasil.

De fato, é importante a revogação das legislações sobre esse tema que apontam para a privatização do conhecimento. Esse é um caminho necessário para avançar na garantia da soberania e autonomia do Brasil sem a dependência de fornecedores estrangeiros.

5. A democracia e liberdade de expressão nas instituições públicas de ensino superior, nas empresas e institutos de pesquisa!

A exemplo dos ataques à Ciência e Tecnologia pública citamos o caso de um docente de universidade federal que, em fevereiro de 2021, foi alvo de processo movido pela Controladoria Geral da União (CGU), acusado de ter proferido manifestação desrespeitosa e de desapreço, direcionada ao presidente da República, quando se pronunciava como Reitor durante transmissão ao vivo nos canais oficiais da instituição. Ele foi acusado de ter ferido o Artigo 117 da Lei n° 8.112/1990, que rege a conduta de servidores públicos. Além disso, o MEC enviou, em fevereiro de 2021, um ofício circular às universidades federais do País com o qual recomendava que as instituições prevenissem e punissem atos políticos realizados em suas dependências. Todavia, o ofício foi cancelado pelo próprio Ministério poucos dias depois de seu envio.

Essas medidas contrariam decisão do STF, proferida em 2020, a qual diz que restringir o “direito de livremente expressar pensamentos e divulgar ideias”, incluindo as de cunho político-partidário, ainda que durante período eleitoral e com o uso de espaço público das universidades, configura-se inconstitucional.

Para além da questão jurídica, garantir a liberdade de expressão, o embate de ideias e a discordância construtiva é indispensável para a produção de conhecimento que seja socialmente referenciado, voltada aos interesses da sociedade.

COMPROMISSOS ESPERADOS DE CANDIDATOS, CANDIDATAS E CANDIDATES EM DEFESA DA CIÊNCIA PÚBLICA

A produção de conhecimento tecnocientífico deve se dar de outra forma, de maneira que alavanque o modelo social que queremos construir, fundada nos interesses do conjunto da sociedade e não no mercado. É fundamental irmos além do crescimento econômico e viabilizar o desenvolvimento socioeconômico que atenda verdadeiramente os interesses da classe trabalhadora, baseado na distribuição de renda, no combate às desigualdades sociais e regionais, na geração de postos de trabalho, na soberania alimentar e na preservação socioambiental, com participação nas decisões pelos diferentes segmentos da sociedade.

No momento atual, é ainda mais fundamental que a fronteira do conhecimento, tenha como base a sociedade que queremos construir, dada a grave crise produzida pelo desgoverno federal e similares nos estados e municípios. O desemprego entre jovens de 18 e 24 anos aumentou para 27,1%. As pessoas perderam cerca de 30% do rendimento de seus salários mensais. As trabalhadoras e os trabalhadores autônomos perderam cerca de 40% de suas rendas mensais, segundo dados do IBGE.

A mudança da matriz produtiva necessária para modificar esse cenário atual implica demandas originais e complexas. Seu cumprimento impõe às nossas instituições de ensino e pesquisa o desafio de empregar seu potencial para, em conjunto com outros setores de luta, gerar bases científicas e tecnológicas necessárias para a construção das soluções que nossa população merece e necessita.

Movimento Pela Ciência e Tecnologia Pública (MCTP)

Campinas, 16 de setembro de 2022.

São signatárias desta Carta, as entidades abaixo:

ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior)

Associação Cannabica Mãesconhas do Brasil

ESOCITE BR (Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias)

SINPAF-DN (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário)

ADunicamp (Associação de Docentes da Unicamp)

Adusp (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo)

AGB Campinas (Associação das Geógrafas e Geógrafos Brasileiros – Seção Campinas)

APqC (Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo)

APROPUCC (Associação dos Professores da PUC-CAMPINAS)

Coletivo de Estudantes Indígenas da Unicamp

DiCiTE (Grupo de Pesquisa Discursos da Ciência e da Tecnologia na Educação – UFSC)

FACRETER (Fórum de Associações Científicas de Ciências da Religião, Teologia e Ensino Religioso)

GETIS – UNIFESP/SJC (Grupo de Estudos em Tecnologia Social, Indicadores e Sustentabilidade – UNIFESP/SJC)

Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB

Grupo de Pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFPR

Residência CTS Habitat, Agroecologia, Economia Solidária e Saúde FAU UNB

Sindipetro SP (Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo)

SASP (Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo)

SINPAF – Seção Campinas e Jaguariúna (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário – Seção Campinas e Jaguariúna)

SINTPq (Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia – SP)

Assumem os compromissos apresentados nesta Carta, os candidatos, candidatas e candidates abaixo:

Adriana do Povo da Cultura – PSOL
Alexandre Padilha – PT
Álvaro Jeronymo – PSOL
Carlos Giannazi – PSOL
Coletivo Mulheres de todas as lutas – PSOL
Djalma Nery – PSOL
Estela Almagro – PT
Flávio Casimiro – PSOL
Guilherme Boulos – PSOL
Jandyra Uehara – PT
Lucilio Ferreira da Silva – PSOL
Marcelo Reina – PSOL
Marcelo Roldan – PSOL
Maria Giovana – PDT
Maria Helena De Carvalho – PSOL
Maria Lúcia Soares Viana – PSOL
Monica Seixas – PSOL
Nathalia Santana Pereira – PSOL
Paulo Búfalo – PSOL
Paulo Teixeira – PT
Pedro Tourinho – PT
Professora Luciene Cavalcante – PSOL
Raul Pró Guarulhos – PSOL
Ricardo Alvarez – PSOL
Sâmia Bomfim – PSOL
Vera Faria – PT
Victor Gaspodini – PSOL
Wagner Romão – PT
Waltecy Alves – PSOL

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