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O linfoma e a leucemia são hoje os principais focos do programa de terapia celular CAR-T, tratamento inovador para o câncer lançado em junho pelo Instituto Butantan, Universidade de São Paulo (USP) e Hemocentro de Ribeirão Preto. No entanto, com as recém-inauguradas unidades de produção na capital e no interior paulista, também será possível desenvolver células CAR-T para outros tipos de câncer no sangue, como mieloma múltiplo e leucemia mieloide aguda, e até para tumores sólidos, como glioblastoma e melanoma. A parceria entre as instituições visa à disponibilização do tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), já que o alto custo de US$ 500 mil torna a terapia praticamente inacessível.

A base do tratamento é coletar e modificar geneticamente as células de defesa do paciente (linfócitos T), para que se tornem capazes de combater o câncer. Essa alteração é feita por meio de vetores, produzidos em laboratório, que contêm a informação genética do receptor de um antígeno da célula tumoral – ou seja, apresenta uma “peça” que se encaixa e reconhece a célula cancerosa. Um desses antígenos é o CD-19, específico para células de linfoma e leucemia.

“Já existem pesquisas em fases avançadas no exterior, principalmente nos Estados Unidos e Europa, com células CAR-T para outras neoplasias. Nós podemos reproduzi-las inicialmente em pequena escala, como fizemos com o CD-19, e depois ampliar para testes em pacientes. A previsão é que comecemos a trabalhar com novos alvos até o final de 2023”, diz o diretor médico do Laboratório de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, Gil Cunha de Santis.

mieloma múltiplo é um câncer agressivo que afeta os plasmócitos, células da medula óssea responsáveis pela produção de anticorpos. Eles se multiplicam rapidamente e comprometem a produção de outras células do sangue, causando anemia e maior suscetibilidade a infecções. A doença também atinge os ossos, provocando dores e fraturas espontâneas. Já a leucemia mieloide aguda ocorre nas células mieloides, que dão origem às células do sangue (leucócitos, plaquetas e hemácias), e é mais comum em adultos.

No caso da CAR-T voltada para tumores sólidos, que também tem sido estudada no mundo e pode ajudar especialmente pessoas com tumores inoperáveis, o desafio é que a composição celular dentro de um tumor acaba sendo variável – ou seja, as células que estão no centro, por exemplo, são diferentes daquelas localizadas nas extremidades. Dessa forma, seriam necessários receptores de diferentes antígenos para conseguir neutralizar todas as células cancerosas.

O caminho da CAR-T até o SUS

No Brasil, desde 2019, o Hemocentro tem tratado a leucemia linfoide aguda, outro tipo de leucemia que acomete mais as crianças, e o linfoma, que afetam os linfócitos. Até agora, nove pacientes com idades de 13 a 64 anos foram atendidos e a maioria obteve remissão parcial ou total do câncer. Esses voluntários entraram no estudo experimental de forma compassiva, por indicação médica, quando tratamentos convencionais não funcionam e as opções se esgotam.

Diante dos resultados promissores, o Butantan, a USP e o Hemocentro desenvolveram um programa avançado de produção das células CAR-T em São Paulo e em Ribeirão Preto. O próximo passo em direção à aprovação do tratamento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o desenvolvimento de um ensaio clínico. Ele já foi desenhado e teve o protocolo aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), e será submetido em breve à agência reguladora para análise.

O estudo de fase 1/2 incluirá 20 indivíduos com linfoma não Hodgkin de células B e 20 pessoas com leucemia linfoide aguda de células B. Serão avaliados o surgimento de efeitos adversos, a resposta clínica após 30 e 90 dias da terapia, a duração da resposta e a sobrevida geral dos voluntários. Os indivíduos serão acompanhados por 12 anos depois do procedimento – somente depois desse período sem a doença é que a medicina considera o paciente curado.

Uma tecnologia histórica

A história da CAR-T envolve mais de 60 anos de estudos. As primeiras células T contendo um receptor quimérico de antígeno (CAR, na sigla em inglês) foram produzidas em 1987 em Israel e, em 2009, cientistas americanos conseguiram provar a eficácia da terapia contra a leucemia. A tecnologia foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) em 2017 e, hoje, está disponível na Europa, Estados Unidos, Canadá, China, Japão, Israel, Austrália, Nova Zelândia e Singapura.

Uma grande vantagem da terapia é ser personalizada e feita com as próprias células do paciente, causando muito menos efeitos adversos do que uma quimioterapia, por exemplo. Isso porque a CAR-T é específica para o câncer e não atinge as células saudáveis.

Além disso, estudos indicam que as células CAR-T continuam circulando no organismo mesmo após o tratamento, reduzindo a chance de recidivas. Foi o que aconteceu com os dois primeiros pacientes a serem tratados nos EUA em 2010, que tinham leucemia em estágio terminal. Eles alcançaram remissão e continuam livres da doença até hoje, segundo artigo publicado na revista Nature.

Fonte: I. Butantan

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