buta cobra

Em uma época em que os acidentes com cobras eram tratados com remédios caseiros e atingiam, principalmente, os trabalhadores do campo, o médico sanitarista Vital Brazil se interessou pelo assunto. Foi graças à continuidade de suas pesquisas após a criação, nas primeiras décadas do século 20, do Instituto Serumtherápico (atual Instituto Butantan), inaugurado com o objetivo de fornecer soluções para o problema da peste bubônica, que ele fez uma das maiores descobertas da saúde pública relacionada ao tratamento de acidentes com animais peçonhentos: a especificidade dos soros antiofídicos. A descoberta foi descrita no livro “A defesa contra o ophidismo”, publicado em 1911, e que acaba de completar 110 anos.

A obra de Vital conta toda a experiência e aprendizado que ele teve durante os dez anos de produção dos primeiros soros antiofídicos no Butantan. “A importância do livro é histórica, pois deu as definições de muita coisa que acontece até hoje”, conta o diretor do Museu Biológico do Butantan, Giuseppe Puorto. Além da especificidade dos soros (ou seja, o princípio de que cada picada deve ser tratada com um soro específico para o veneno da cobra que causou o acidente), são abordados temas como profilaxia, terapêutica do ofidismo, a atividade dos venenos no corpo, como fazer a extração de veneno e a preparação do soro – informações que são utilizadas até hoje.

Para desenvolver o soro, é necessária a própria peçonha. Por isso, Vital promoveu campanhas para obter cobras para o estudo e a própria produção dos soros. A população capturava os répteis e os levava até ele. Assim que chegavam ao instituto, porém, as cobras morriam. Vital percebeu que isso tinha relação com o modo de captura, que causava lesões nos animais. O médico desenvolveu ferramentas para auxiliar nessa tarefa, explicadas no livro, que são usadas desde então, como o gancho de captura e a caixa de transporte. Outra inovação foi uma caixinha a ser entregue a quem sofria os acidentes: ela continha um frasco com soro e uma ficha para que o paciente descrevesse o que sentia. A ideia era entender como o veneno agia no corpo. Atualmente, esse documento é conhecido como ficha de notificação e é usado pelo Ministério da Saúde.

“Ele deu as bases para o que se faz hoje. Se atualmente a gente faz um soro de melhor qualidade, foi baseado no que ele desenvolveu aqui dentro”, conta Giuseppe, que também é diretor do Museu Histórico e do Centro de Desenvolvimento Cultural do Butantan. O livro atualizou tudo que se sabia sobre ofidismo e tratamento de acidentes com animais peçonhentos, e inaugurou um campo de estudo que continuou sendo aprimorado com o passar das décadas. “A melhoria vai desde a coleta do veneno, o entendimento das cobras, como se lida com o animal, até a obtenção dos venenos e o tratamento”, completa.

Antes das pesquisas de Vital, o número provável de acidentes anuais com serpentes era de 19.200, com 4.800 mortes e letalidade de 25%. O livro conta que, 15 anos após o início da produção de soros, houve queda de 50% nas mortes por acidente ofídico. Hoje, o número de mortes por picada de cobra é de 0,5%, com uma média de 30.000 acidentes por ano no Brasil. Esses indicadores demonstram a importância dos soros para a sociedade. “O ideal seria que ninguém morresse, mas o Brasil é muito grande. “Às vezes as pessoas têm dificuldades de transporte para acessar o serviço médico”, explica Giuseppe.

Passados 110 anos de sua publicação, o livro continua um dos marcos da história da saúde pública brasileira. Com edições todas encadernadas com pele de cobra, ele teve sua primeira versão escrita em francês e depois em português. Atualmente, o livro é uma raridade, sendo possível encontra-lo apenas digitalmente. “Ler esse livro hoje é se transportar para a época. Tento me colocar no lugar dele, vendo como era a sociedade, o conhecimento naquela época e a visão que ele tinha”, aponta Giuseppe.

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Fonte: Instituto Butantan

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