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Foi há 120 anos, no dia 14 de agosto de 1901, que o Instituto Butantan preparou e entregou à saúde pública do Brasil o primeiro soro contra veneno de cobra. Na época, o número de pessoas que morriam devido a ataques de serpentes era elevado. Desde então, os soros antiofídicos evoluíram e se tornaram o método predominante para tratar o envenenamento por serpentes, e a produção do Butantan se modernizou para incluir cinco soros antiofídicos diferentes. Mas ainda há muito a avançar: como a maioria dos acidentes acontece em locais distantes das grandes cidades, fazer o soro chegar até o paciente nem sempre é fácil. Por isso, o Butantan trabalha para, em breve, iniciar a fabricação de soro em pó.

Conheça aqui: Os principais soros do Instituto Butantan

A complicação para a distribuição do soro líquido começa no tamanho do nosso país. O Brasil é a quinta maior nação do mundo em extensão territorial, com uma área de 8.547.403 km², de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Tecnologia (IBGE).

Por isso, o remédio nem sempre chega às áreas mais isoladas. “O soro tem que ser aplicado na veia e é considerado um procedimento médico. Em muitos locais não existe um profissional ou um posto de saúde, inclusive para o caso de acontecer alguma reação ao medicamento”, argumenta a gerente de produção de soros hiperimunes do Butantan e doutora em saúde coletiva Fan Hui Wen.

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Na Amazônia, habitat de serpentes como a jararaca, surucucu, cobra-coral e cascavel e onde a energia elétrica não está presente em todas as comunidades, a população acaba usando o soro antiofídico colombiano no caso de algum acidente. A vantagem é que ele vem em pó e não precisa ser refrigerado. “Muitas populações ribeirinhas carecem de eletricidade e as unidades de saúde não apresentam condições adequadas de manter o soro antiofídico refrigerado. Como grande parcela dos acidentes ocorre em locais distantes do atendimento hospitalar, a situação se complica, uma vez que a demora em receber a soroterapia é um dos principais fatores que podem agravar o quadro clínico do paciente”, conta o herpetólogo e professor da Universidade Federal do Acre, Paulo Bernarde.

Além de não ser reconhecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o soro colombiano se torna ineficaz porque não foi produzido para serpentes naturais do Brasil. “O soro precisa ser específico, ser produzido do veneno da cobra do Brasil. Tanto que o soro daqui também não funcionaria em outro continente. A família a que pertence a cobra muda de país para país”, complementa a médica.

Para responder a essa demanda, o Instituto Butantan está construindo uma nova fábrica para a produção de soros que contará com um liofilizador, aparelho que desidrata os produtos líquidos e depois transforma em pó, mantendo as propriedades neutralizantes. A fábrica deve ficar pronta até 2024. “Os estudos mostram que o soro liofilizado pode ser usado em temperatura ambiente. A tendência também é de que o soro em pó tenha uma duração mais longa que o líquido. É isso que já estamos estudando”, explica Fan. Para ser usado, o pó será misturado com a água até se tornar liquido e colocado numa bolsa de soro fisiológico.

Conhecida como Centro Avançado de Produção de Soros, a nova instalação terá 6,6 mil metros quadrados e cinco pavimentos. Quando entrar em operação, a fábrica absorverá a produção de todos os tipos de soros que o instituto produz, incluindo os contra toxinas de animais peçonhentos e micro-organismos. “A expectativa é que gradativamente possamos atender a demanda nacional e depois o resto do mundo”, complementa a gerente de produção.

A importância do soro antiofídico 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano entre 4 e 5,5 milhões de pessoas são picadas por cobras em todo o mundo. Destas, entre 81 mil e 138 mil morrem por complicações do envenenamento.

“Os acidentes ofídicos registrados no Brasil giram em torno de 28 mil a 30 mil casos anuais com uma letalidade de cerca de 0,4%. Os dados epidemiológicos antes da produção do soro antiofídico por Vital Brazil, em 1901, estimavam cerca de 20 mil casos com uma letalidade de 25%. A produção e distribuição do soro antiofídico fez com que essa letalidade fosse reduzida no decorrer dos anos”, esclarece Paulo Bernarde.

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A história do soro

A história dos soros antiofídicos no Butantan começa em 1899. Neste ano, um médico à frente do seu tempo chamado Vital Brazil resolveu estudar a fundo as cobras e seus venenos. Natural do interior de Minas Gerais, ele tinha nítida a lembrança de ver seus conterrâneos padecendo de acidentes causados por cobra sem receber tratamento médico adequado. Para isso, dedicou ao assunto grande parte de sua pesquisa no laboratório do então Instituto Serumtherápico do Estado de São Paulo, que em 1901 se tornaria o Instituto Butantan.

Diferente de especialistas franceses, que defendiam a criação de um remédio único contra o envenenamento por picada de cobra, Vital percebeu que seria necessário um medicamento específico para o acidente causado por cada tipo de serpente. Ele focou em dois tipos de soros: um contra o veneno de cascavel e outro contra o veneno da jararaca, as duas espécies que mais matavam no Brasil.

Vital, que entraria para a história também por ser o primeiro diretor do Butantan, percebeu que os sintomas de envenenamento das duas serpentes eram diferentes. As pessoas picadas por jararaca apresentavam reações locais intensas e aumento progressivo da área afetada devido à hemorragia, sendo a morte por conta da coagulação sanguínea ou hemorragia; já o veneno da cascavel não determinava reação local nem hemorragias intensas, e agia no sistema nervoso, produzindo distúrbios visuais, paralisia e morte por parada respiratória.

Saiba mais: Como é produzido o soro contra o veneno das cobras?

Foi a partir dessa análise que Vital Brazil revolucionou a ciência ao entender e compartilhar com o mundo o princípio que ficaria conhecido como “a especificidade do soro antiofídico”. Mais tarde, ele doaria a patente dessa descoberta ao governo brasileiro.

“Aqui no Brasil, o envenenamento por serpentes é uma importante causa de morbidade e o soro antiofídico é praticamente o único e eficaz antiveneno capaz de reverter o quadro clínico de uma pessoa picada por uma serpente peçonhenta. O Brasil representa um exemplo no combate ao ofidismo devido à produção de soro antiofídico de qualidade e em quantidade para atender à demanda e à estratégica distribuição nas unidades hospitalares”, completa o professor Paulo Bernarde.

Fonte: Instituto Butantan

 

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