Maria Elisa IAC

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, atrás apenas de Estados Unidos e China. Estima-se que 10% do mercado global deste cereal tenha a participação direta da agricultura brasileira, com mais de 100 milhões de toneladas colhidas na safra de 2019/2020.

Embora estas informações não sejam novidades para quem acompanha o noticiário de economia, o que pouca gente sabe é que nem só de commodities vive o milho: há demandas específicas e nichos de mercado que não seriam contemplados se não fosse o auxílio prestado pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) aos médios e pequenos produtores. E mais: tais nichos talvez nem existissem da forma como existem hoje se não fossem as pesquisas científicas de melhoramento genético desenvolvidas neste órgão público.

Na impossibilidade de competir com o mercado de sementes das empresas multinacionais, o IAC tem se dedicado, entre outras coisas, ao mercado de milhos especiais – variedades que não servem à grande indústria e, portanto, não são consideradas commodities, mas que sustentam o consumo interno de milho para pipoca, milho verde doce e milho branco, marcados pela qualidade e variação em sua composição, cor e formato.

Uma das pesquisadoras responsáveis pelo Centro de Grãos que estuda o milho dentro do IAC é a engenheira agrônoma Maria Elisa Ayres Guidetti Zagatto Paterniani. Ao lado do pesquisador Eduardo Sawazaki, ela pode ser considerada uma das principais autoridades quando o assunto é o melhoramento de milhos híbridos no País.

Como explica a cientista, doutora em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), unidade vinculada à Universidade de São Paulo (USP), o programa de melhoramento de milho do IAC tem por objetivo obter cultivares com elevada produtividade, convencionais (não transgênicos), com caracteres agronômicos resistentes a doenças e com sanidade de espigas, destinados ao mercado de média tecnologia. Isso significa, segundo ela, “o atendimento de médios produtores e de nichos de mercado, principalmente visando a produção de novos tipos de híbridos (intervarietais) e de cultivares de milhos especiais para a alimentação humana.”

Maria Elisa milho

Os processos do IAC de obtenção de híbridos intervarietais, a partir da utilização de sintéticos de híbridos comerciais, teve início no ano 2000. Seus híbridos apresentam baixo custo, são mais produtivos, têm menor preço de sementes e atendem a demandas principalmente nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Recentemente, em 2019, as pesquisas do instituto resultaram no híbrido IAC 8053, que tanto pode ser destinado à produção de grãos para ração animal quanto ao consumo humano na confecção de sucos, bolos, pães, pamonhas e doces em geral. “O milho é a minha paixão desde o tempo de estudante”, diz Maria Elisa.

Nascida em Piracicaba, em família de professores e pesquisadores, Maria Elisa ingressou na ESALQ em 1981 para cursar Agronomia. Dessa tradicional instituição saiu somente após a conclusão do doutorado. Seu mestre durante este período foi o professor Ernesto Paterniani, uma das referências no estudo do milho no Brasil. Por coincidência, anos depois, ele viria a ser o seu sogro.

Em 1994, após ser aprovada em concurso público, a agora engenheira agrônoma passa a integrar o quadro de pesquisadores do IAC, onde tem a oportunidade de dar sequência à uma história iniciada em 1932, quando é implantado neste instituto o primeiro programa de melhoramento de milho híbrido no País. Tal método, levado adiante por Maria Elisa Paterniani e Eduardo Sawazaki, revolucionou o modo de cultivar, colher e consumir o milho brasileiro. Em 2022, o IAC completa 90 anos de pesquisa ininterrupta nesta área.

Conceitualmente, segundo explica a pesquisadora, existem os seguintes tipos de híbridos: simples (obtido mediante o cruzamento de duas linhagens endogâmicas); triplo (obtido pelo cruzamento de um híbrido simples com uma terceira linhagem) e duplo (resultante do cruzamento de dois híbridos simples) e intervarietal, que é o resultado do cruzamento entre duas variedades. Diversos tipos foram desenvolvidos pelo IAC.

Maria Elisa, especificamente, atua no desenvolvimento de híbridos intervarietais de milho e está à frente do programa de melhoramento deste cereal para tolerância à seca. “Dado o cenário mundial de escassez de água, tenho pesquisado e obtido materiais resistentes à seca bastante promissores.”, diz a pesquisadora, que também ajudou a fundar e a coordenar por dez anos o curso de pós-graduação do IAC na área de Genética, Melhoramento Vegetal e Biotecnologia.

Maria Elisa

Híbrido intervarietal

O híbrido intervarietal foi desenvolvido pelo IAC, com o empenho de Maria Elisa, para atender à demanda de produtores rurais cujas plantações apresentam baixa produtividade e que, por isso, necessitam de sementes de qualidade, mas a preços acessíveis. A pesquisadora explica que o custo de produção de sementes dos híbridos é reduzido porque, em linguagem técnica, são eliminadas as etapas de obtenção e multiplicação de linhagens – um processo caro e demorado que deve ser realizado todos os anos.

Os primeiros intervarietais, IAC 8333 e IAC 8390, apresentaram características de elevada produtividade e se mostraram competitivos no campo. Mais recentemente, foram lançados os intervarietais IAC 8046 e IAC 8077, que são híbridos de milho convencional, não transgênicos, com um potencial produtivo de nove a dez toneladas por hectare de grãos. Este último, em especial, apresenta uma produtividade acima da média dos resultados obtidos no Brasil: com apenas 20 quilos de sementes é possível colher um hectare de milho.

Em virtude da grande produção de sementes de híbridos transgênicos voltadas para alimentação animal, se faz urgente o atendimento dos pequenos e médios produtores com o lançamento de novas cultivares convencionais de milho. O programa de melhoramento de milho do IAC tem se voltado para a produção de híbridos de milho diferenciados e de milhos especiais, mas o cenário é de grandes dificuldades para a sua continuidade e o atendimento dessas demandas.

“Os híbridos são competitivos, mas falta estrutura de produção para fornecê-los em escala nacional.”, diz Maria Elisa. Até pouco antes da pandemia, segundo ela, empresas faziam contratos eventuais para trabalhar com esse tipo de milho, mas a chegada do novo coronavírus estancou a produção de sementes em larga escala. A expectativa da pesquisadora é que a situação se normalize após a crise pandêmica. “Para cada 200 milhos transgênicos, há 10 convencionais, especiais e registrados sendo produzidos no Brasil. A desproporção é grande, mas há público e mercado para o milho desenvolvido pelo IAC. O que precisamos no momento é de recursos humanos para atender a essa demanda.”, afirma.

A cientista finaliza ressaltando que os híbridos de milho do IAC estão disponíveis para as empresas privadas produtoras de sementes que queiram fazer produção em parceria ou licenciá-los.

Bruno Ribeiro, para a APqC

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