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Roberto Rodrigues. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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O Governo Federal enviou uma proposta de reforma do Estado ao Congresso Nacional. O que se busca é o equilíbrio fiscal (a máquina pública custa muito caro e toma parcela excessiva do orçamento), a melhora da eficiência dos serviços e a extinção de privilégios públicos e privados que foram se acumulando ao longo da História em função de lobbies poderosos e de fragilidade ou subserviência de uns poucos parlamentares ou ocupantes do Executivo.
Ao lado da Reforma Tributária, esta é uma necessidade basilar para resgatar a confiança de investidores e a própria capacidade do estado investir. Não há o que discutir: precisa ser feito ou o país vai parar de vez. E não se trata de problema federal apenas: as unidades da federação e os municípios padecem do mesmo problema que tem que ser enfrentado com coragem e determinação.
O ônus político dessa reforma é tremendo: as pressões pela manutenção e até aumento de privilégios são enormes e se traduzem em ataques a executivos e legislativos cujas consequências eleitorais podem ser fatais. Em outras palavras, aqueles que fizerem o bem para o país cortando os excessos podem ser execrados em campanhas ardilosas e nunca mais serem eleitos. E então se acomodam por causa de suas posições pessoais e cedem a interesses nada republicanos. Essa é a dificuldade de avançar.
Por outro lado, e’ um erro grosseiro generalizar a opinião de que os funcionários públicos são todos ineficientes ou indolentes. Ocupei cargos públicos no Governo de São Paulo e no Governo Federal e encontrei muitos funcionários extraordinariamente bem preparados, dedicados, estudiosos, patriotas e competentes, responsáveis mesmo pelos avanços que acontecem a partir de políticas públicas. Na realidade, são eles que fazem as coisas acontecer, porque conhecem o funcionamento da máquina e sabem como redigir e implementar medidas de interesse nacional. E seriam ótimos assessores ou executivos no setor privado também, estão capacitados para qualquer função que exija conhecimento técnico e operacional.
Portanto, a reforma deve separar o joio do trigo. Deve eliminar os privilégios nos três Poderes e não pessoas que são um privilégio para o setor público. E fundamental será premiar a meritocracia como instrumento de remuneração e promoção.
Dito isso, há que se compreender a situação atual, sob o impacto da trágica pandemia do Covid-19. Este tsunami sanitário produziu as catástrofes conhecidas na saúde humana e na economia de todos os países do mundo. Oxalá seja mais rapidamente conhecido de modo a se conseguir um combate eficiente a ele. Mas é possível que o mundo nunca mais seja o mesmo em diversos aspectos no que diz respeito ao comportamento e as formas de trabalho humano e ao funcionamento das instituições.
E aqui ressalta o fato de que também a economia das organizações públicas está sendo duramente abalada. Prefeitos municipais, governadores, o presidente da República e seus secretários e ministros assistem a quedas brutais de arrecadação, seus orçamentos ficaram insuficientes para cumprir seus compromissos, de modo que precisam cortar fundo em sua própria carne para se salvarem da inadimplência.
Com isso resulta um acúmulo de dificuldades: a reforma tinha que ser feita antes da pandemia de qualquer jeito, mas não foi; e agora os cortes se tornaram mais urgentes e muito mais profundos.
É aí que mora o perigo. Cortar o que e quanto? Sacrificar quais atividades e funções?
Como compatibilizar as indispensáveis eliminações de privilégios e enxugamento da máquina com a manutenção dos serviços essenciais à população e ao país?
Nunca foi necessária tanta competência para fazer o que é certo e o que é justo. Porque não se trata de um arranjo emergencial só por causa do vírus. Não se pode confundir a urgência imposta pela pandemia com a questão estrutural do equilíbrio fiscal permanente.
Alguns temas são óbvios. Não pode cortar na saúde (ao contrário, precisa mais recurso), na educação e na segurança. Mas também não se deve cortar na ciência e na tecnologia (em especial deve-se cuidar da remuneração dos cientistas para que possam produzir em paz) porque isso seria matar o futuro competitivo da nação.
E também é importante perscrutar as tendências que se desenham no horizonte para não sacrificar organismos e/ou instituições que são a garantia de atendimento dos anseios da humanidade.
E está claro que dois temas principais se apresentam nesse caminho: segurança alimentar (com qualidade do alimento) e sustentabilidade (com ênfase para a preservação dos recursos naturais). A compatibilização dessas duas macro demandas é o desafio dos executivos em todos os níveis. E ainda mais: não só compatibilizar, mas fortalecer as instituições que cuidam desses aspectos, sobretudo na ciência.
Tal desafio está em todos os níveis governamentais. Sabemos que o Brasil tem as condições para ser o campeão mundial da segurança alimentar e da sustentabilidade.
E o Estado de São Paulo tem uma grande contribuição já dada ao país e que pode ser ainda mais efetiva, com a meritocracia funcionando nas nossas Universidades e nos Institutos que geram as inovações para a produção sustentável, como o Instituto Agronômico de Campinas, o Instituto Biológico, o Florestal, o de Zootecnia, o Butantã, o Instituto de Pesca e outros cujos talentos e conhecimento acumulado devem ser preservados e estimulados para o bem da sociedade brasileira. Outros setores, como a Assistência Técnica e Extensão Rural precisam ser modernizados para atendimento prioritário ao pequeno produtor. O perigo é extinguir uma instituição em função da pandemia porque, quando esta terminar, o serviço importante estará também eliminado em prejuízo do conjunto.
Não será fácil tomar as decisões corretas. Devemos confiar em nossos executivos e parlamentares e torcer para que sejam iluminados em suas decisões.

  • Roberto Rodrigues – Coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas e foi ministro da Agricultura (2003 a 2006)
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