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O pesquisador científico Dr. Luís Eduardo Batista, do Instituto da Saúde, afirma que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), criada em 2006, não surtiu nenhum resultado efetivo para os negros brasileiros – e isso, segundo ele, porque os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) não veem como prioridade a implementação de políticas públicas voltadas para este segmento, que responde pela parcela mais vulnerável da sociedade.

Na pesquisa de campo que realizou em 2014, em parceria com a Profa. Dra. Sônia Barros, Batista chegou à uma conclusão alarmante: a ausência do Estado, nesta questão, têm custado a vida de milhares de pessoas negras, sobretudo de mulheres, que dependem do SUS. Ele diz ainda que a negligência reflete o racismo presente na sociedade e acarreta discriminação no atendimento ao público. O resultado é o adoecimento e a morte de pessoas negras em proporção muito superior a de pessoas brancas.

Para repercutir sua pesquisa e saber como os cientistas podem ajudar a combater este problema na área da saúde, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) entrevistou o Dr. Luís Eduardo Batista, que também é pós-Doutorado em Ciências da Saúde pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) .

APqC – Em sua pesquisa, o senhor afirma que as políticas públicas voltadas às pessoas negras, em especial a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), criada em 2006, são praticamente ignoradas no Brasil. Como chegou a esta conclusão?

Dr. Luís Eduardo Batista – Em 2014, em parceria com a Profa. Dra. Sônia Barros, da Escola de Enfermagem da USP, submeti uma proposta à Fapesp (2014/24630-6), que foi aprovada. O objetivo do projeto de pesquisa era avaliar o processo de implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, para avaliar o seu impacto na comunidade. Neste processo, contamos com o apoio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Constatamos que dentre os 5.561 municípios do País, somente 57 relataram ter essa política implantada. É um número muito baixo.

De quem é a responsabilidade e por que estes números são tão baixos?

Todos somos um pouco responsáveis: gestores municipais, estaduais, profissionais de saúde. Hospitais e serviços privados, prestadores de serviço para o Sistema Único de Saúde. A população que é conivente com os constantes ataques que são feitos ao SUS também é responsável. Sim, porque é no SUS que a maioria da população negra é atendida.

O que significa, para a população negra, a ausência ou displicência do poder público na implantação desta política? Quais são os impactos mais visíveis?

Significa que as mulheres negras vão continuar morrendo seis vezes mais que as brancas. Vão morrer simplesmente por estarem grávidas. Significa que homens negros vão continuar morrendo três vezes mais do que brancos por tuberculose. Significa a manutenção ou o aumento da mortalidade da população negra por HIV/Aids. Hoje no Estado de São Paulo, por exemplo, taxas de mortalidade por HIV/Aids foram de 25,92 para homens negros e de 14,44 para brancos. Dentre as mulheres, as taxas são de 11,39 e 4,92 para as negras e brancas respectivamente. As mulheres negras morrem 2,3 vezes mais que as brancas por HIV/Aids. Eu ainda poderia apresentar o impacto da não implementação dessa política nas complicações e na mortalidade da população negra por hipertensão, transtornos mentais, câncer de colo de útero, câncer de próstata e outras doenças prevalecentes na população negra e que são negligenciadas pela Saúde.

O senhor diria que há um componente racista no desprezo com que são tratadas políticas públicas desta natureza? 

Sim, é disso que estou falando. O grupo de pesquisadores que estuda o tema na área da Saúde vem mostrando que todos guardamos uma pitada de racismo dentro de nós e isso tem de ser enfrentado, pois o racismo causa discriminação no atendimento do SUS aos negros e negras, levando-os ao adoecimento e à morte.

O senhor integra o colegiado gestor do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). De que modo este GT atua no sentido de combater o problema apontado pela sua pesquisa?

A ABRASCO, ao entender que o racismo está na estrutura da sociedade e que está fazendo mal à saúde da população negra, decidiu enfrentar este problema. Somos aproximadamente 30 pesquisadores e pesquisadoras de institutos que se somam a algumas gestoras e movimentos sociais. O GT congrega a produção científica de pesquisadores que discutem racismo e saúde, as experiências dos movimentos sociais negros em saúde, as boas práticas de docentes que incluíram a temática racial na sua formação, a produção científica de gestoras e gestores do setor da saúde, em especial daqueles que são responsáveis pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Buscamos ainda estabelecer uma agenda de cooperação entre pesquisadores, gestores, profissionais de saúde e sociedade civil com vistas a evidenciar os impactos do racismo na saúde e construir estratégias conjuntas de promoção da equidade racial em saúde. Essa é a missão do GT.

Uma das desculpas mais comuns dadas pelos gestores para a não implantação de políticas como a PNSIPN é que não foram destinados recursos para implementá-la. O que o senhor diria a respeito deste argumento?

O gestor sempre diz que trata todo mundo igual, que o problema é a pobreza, que ele precisa de mais recursos e que seu município está investindo mais do que o teto de 15% dos recursos municipais na área da Saúde. Essa é uma realidade. O PNSIPN, de fato, não tem recursos específicos para a sua implantação, mas bastaria repensar ações que já são realizadas e encaixá-la.

Como o senhor rebateria as críticas, feitas por alguns setores da sociedade, de que políticas com recorte racial estimulariam a divisão social?

Eu te disse que as mulheres negras morrem seis vezes mais do que as brancas por morte materna. A mortalidade materna de mulheres negras é um problema no Estado de São Paulo. Existem dados que comprovam isto. Desconheço experiência de um gestor que tenha desenhado ações para reduzir a eclampsia, a pré-eclampsia e doenças hipertensivas que afetam diretamente as mulheres negras. Portanto, dizer que o Estado deve tratar todo mundo da mesma forma é naturalizar a desigualdade a que os negros estão submetidos.

São Paulo é o estado que mais aderiu ao programa, com 27 municípios, seguido por Minhas Gerais e Paraná, com quatro municípios cada. Por que essa disparidade? E por que estados do Nordeste, como a Bahia, onde a população negra é a maioria, praticamente não aderiram à PNSIPN?

Sim, proporcionalmente a Bahia tem maioria da população negra. Mas a população de São Paulo é de 44.189.571 e 30% dela é negra. Então, a maior população negra do país está aqui. E foi por isso que nós tivemos um momento em que o gestor estadual resolveu implementar ações de enfrentamento ao racismo. Vale salientar que essas ações foram realizadas num determinado momento histórico. No meu artigo “Política de saúde da população negra no Estado de São Paulo: focalizando para promover a universalização do direito à saúde?” descrevo as principais ações realizadas pela Secretaria de Estado da Saúde naquele período.

De que forma os pesquisadores científicos poderiam colaborar com políticas públicas de equidade?

A pesquisa é sempre um instrumento para dar respostas às necessidades da sociedade. Nós, pesquisadores científicos do Estado de São Paulo, temos cumprido essa missão. A contribuição dos pesquisadores pode se dar olhando para as iniquidades sociais, para as populações vulneráveis, para os territórios que demandam um olhar específico. Essa é uma bela colaboração que podemos dar. Mas, como cientistas, estamos imersos na sociedade, então há pesquisadores que pensam diferente de mim. Há quem diga que a política pública tem de atender todo mundo igual, que o problema da desigualdade é meramente econômico, que basta deixar a economia crescer que a população negra será incluída e deixará de morrer no SUS. Bem, há quem acredite que Ciência e Tecnologia só podem ser produzidas na universidade; que a pesquisa é custo e não investimento; que Institutos de Pesquisa que não produzem bens de consumo podem ser fechados… Carreira de pesquisador pra quê? Nós, pesquisadoras e pesquisadores do Instituto de Saúde, temos tido a felicidade de podermos cumprir nossa missão institucional, que é formar pessoas, assessorar gestores e produzir conhecimento para subsidiar a gestão pública.

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