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Apesar do início da pandemia em março de 2020, condição que serviu de mote para a extinção da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) pelo governo paulista com a alegação que a instituição nada tinha a fazer com a COVID-19, os casos da dengue seguiram em crescimento regular. Já na reta final de 2020 os registros mostravam um surto da doença na região de Ribeirão Preto. Desde janeiro de 2022 não param de surgir novos casos de dengue distribuídos pela maioria dos municípios paulistas. Nestes primeiros meses do ano, o incremento dos casos notificados superou em 50% do total de casos registrados em 2021. Em toda a região Sudeste foram registrados 47,9 casos a cada 100 mil habitantes — e São Paulo responde por grande parte deste montante.
A situação fica ainda mais complicada porque o aumento dos casos da dengue, bem como o surto da Chicungunya observado na Baixada Santista, coincide com a extinção da SUCEN, responsável pela organização, assessoria e determinadas operações de campo e laboratório, como coletas, identificação e controle do Aedes aegipty, espécie dos mosquitos vetores dos vírus da dengue.
A SUCEN, para quem não a conhece, foi uma autarquia vinculada à Secretaria da Saúde do Estado, criada, em 1970, com a finalidade de promover o controle das doenças transmitidas por vetores e hospedeiros intermediários. Até então, essa instituição pública atuou com a realização de pesquisas e fornecendo orientação aos municípios com condições do desenvolvimento de ações locais de controle e apoio aos municípios menores, sem condições da operacionalização das atividades de controle. Como mais de 350 municípios paulistas têm menos de 15 mil habitantes e, portanto, sem condições orçamentárias para a manutenção permanente de pessoal especializado em procedimentos que possibilitam o mapeamento das áreas de risco da transmissão da dengue e estudos destinados ao reconhecimento de criadouros dos mosquitos, fica patente a importância do trabalho realizado pelos profissionais da SUCEN. Dessa maneira, o controle da dengue e de outras doenças infecciosas no Estado fica desprovido da possibilidade de intervenções adequadas para o controle da situação.
O fim da SUCEN deixa um vazio preocupante porque o governo paulista não possui um plano para o atendimento das demandas do controle da dengue, deixando milhões de pessoas entregues à própria sorte em relação a este e outras endemias. Além disso, o desmonte da instituição como pessoa jurídica em meados do mês de abril, deixa os pesquisadores científicos e demais servidores sem informações sobre o destino pessoal que terão. O receio é que a pulverização dos servidores por diferentes instâncias, com funções diferentes das de origem, inviabilize a realização de um mínimo de atividades necessárias para a preservação da transmissão em níveis suportáveis pela população.
Em 2020, ano em que o governador João Doria enviou à Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) o Projeto de Lei nº 529, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) divulgou carta aberta em que alertava para o processo de sucateamento enfrentado pela SUCEN desde 2019.
O resultado do desmonte começa a ser sentido agora, mais cedo do que se esperava, com o retorno do avanço da dengue no estado. Nunca é demais lembrar que, em 2019, São Paulo enfrentou um surto de febre amarela que foi rapidamente debelado graças ao empenho dos pesquisadores científicos e dos agentes de controle de vetores da SUCEN, que com a detecção e mapeamento das áreas de risco da transmissão, permitiu a vacinação dos moradores, evitando a perda de muitas vidas.
Portanto, a extinção da SUCEN não contribui apenas para novos surtos da dengue em território paulista, mas também de leishmaniose, malária, esquistossomose, doença de Chagas, febre amarela, Zika, Chikungunya e outras novas doenças que ainda estão por vir. Sem a infraestrutura laboratorial da SUCEN e o trabalho de campo de seus servidores, quem perde é a população, cada vez mais desprotegida diante dos ataques promovidos pelo atual governo às instituições de pesquisa do Estado.

Horácio Manuel Santana Teles é pesquisador científico da SUCEN e ex-presidente da APqC

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