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Pesquisadores do Instituto Butantan têm desenvolvido novas estratégias de terapia contra o câncer de mama que podem causar menos efeitos colaterais e potencializar os tratamentos convencionais – em especial contra o câncer de mama triplo negativo, subtipo mais agressivo e frequente em mulheres jovens abaixo dos 40 anos. Esse câncer tem maior chance de metástase e maior taxa de recidivas nos primeiros três anos após o diagnóstico. Testes pré-clínicos conduzidos no Butantan são positivos e abrem caminho para reduzir as concentrações necessárias de quimioterápicos, diminuindo os efeitos adversos e melhorando a qualidade de vida das pacientes.

Estratégia pioneira estimula a atividade no tumor para destruí-lo

Estimular o crescimento do tumor para desestabilizá-lo e induzir a morte das células cancerosas é um método inovador para auxiliar no tratamento do câncer, que tem sido investigado pela equipe do coordenador do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS) do Butantan, Hugo Armelin. O pesquisador foi premiado em 2021 na categoria Personalidade de Destaque em Oncologia do Prêmio Octavio Frias de Oliveira, iniciativa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Grupo Folha.

A proposta do estudo consiste na aplicação de um quimioterápico em conjunto com uma substância estimulante de proliferação celular, o Fator de Crescimento de Fibroblasto tipo 2 (FGF2, na sigla em inglês), descoberto por Hugo em 1973. Testes em modelos celulares e animais, ainda não publicados, mostram que o tumor de mama triplo negativo diminuiu em mais de 10 vezes com essa formulação – o que não ocorre com o quimioterápico sozinho.

“O FGF2 é um fator natural do organismo que estimula a proliferação das células saudáveis, através da ativação da via mitogênica [que induz a mitose]. Mas nas células cancerosas, que possuem um autocontrole deficiente, a combinação do FGF2 com um quimioterápico específico cria um ambiente de estresse que acaba levando à morte das células malignas, sem causar danos às células normais”, afirma o pesquisador.

Outro caminho sugerido pelo grupo é usar como adjuvante mitogênico a molécula experimental LB100, que ajuda a manter ativa a ação natural do FGF2 e a atividade das proteínas das células cancerosas, promovendo também um ambiente de estresse para o tumor. “A vantagem é que a LB100 é uma molécula pequena, que circula com mais facilidade no organismo. Ela já está sendo usada em diferentes testes clínicos no mundo e tem se mostrado segura”, diz Hugo.

Segundo a pós-doutoranda Rosangela Wailemann Mansano, que atua no projeto, a equipe está agora conduzindo ensaios para avaliar a toxicidade da formulação, e com isso entender a viabilidade do tratamento para uma aplicação clínica no futuro. Os cientistas também irão avaliar se a combinação das duas terapias ajuda a inibir a formação de metástases.

“O câncer de mama triplo negativo é um tumor que traz desesperança. Tudo o que estamos fazendo é para que essa alternativa de tratamento chegue à clínica. É um caminho difícil que ainda precisa de muito estudo, mas estamos felizes com os resultados que estamos obtendo”, conta Rosangela. “Essa terapia aumentaria a qualidade de vida das pacientes. O fato de poder usar uma dosagem menor de quimioterápico diminui os efeitos colaterais e os custos para os programas de saúde”, completa o doutorando Thompson Torres, também envolvido na pesquisa.

Veneno de jararaca tem potencial contra tumor triplo negativo

Com tradição de 121 anos de produção de soros e estudos de animais peçonhentos, o Butantan também analisa de que forma os componentes de venenos podem ser usados para tratar diferentes doenças. É isso que estuda o pesquisador Leo Kei Iwai, do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan e também associado ao CeTICS, que investiga o potencial do veneno da jararaca em células de câncer de mama triplo negativo. Seu grupo descobriu que a peçonha da serpente é capaz de modular proteínas importantes relacionadas ao metabolismo das células tumorais, resposta imune e inflamação.

O objetivo da pesquisa é identificar quais componentes do veneno são responsáveis por essa modulação e, futuramente, trabalhar em uma terapia adjuvante, que complemente o tratamento tradicional. Essa terapia conteria somente alguns componentes específicos, com efeitos benéficos e não tóxicos – já que a peçonha da jararaca é composta por dezenas de toxinas e não seria possível, evidentemente, usá-la integralmente como tratamento.

“O câncer apresenta um aumento de várias proteínas. Com a introdução do veneno nas linhagens celulares de câncer de mama triplo-negativas, algumas proteínas diminuíram e outras que estavam elevadas acabaram aumentando ainda mais. Se você aumenta demais, você pode induzir um desequilíbrio na homeostase da célula cancerosa, induzindo ela a morrer. Essa é uma estratégia que iremos trabalhar”, diz Leo, seguindo o mesmo raciocínio usado pelo grupo de Hugo.

Proteína do veneno da cascavel impede migração de células tumorais de mama

A diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan, Sandra Coccuzzo, lidera estudos sobre a atividade antitumoral da crotoxina, uma proteína do veneno da cascavel. Em uma pesquisa recente, ela e a pós-doutoranda Ellen Emi Kato mostraram em testes in vitro que a crotoxina é capaz de inibir a proliferação e a migração das células tumorais de câncer de mama, sem afetar as células normais, freando o mecanismo de transição epitelial-mesenquimal (TEM).

“Esse mecanismo é importante durante o desenvolvimento de células embrionárias, ajudando a célula a migrar e formar outros tecidos. Mas na célula maligna, quando esse processo é disparado, isso ajuda o câncer a se espalhar. É um processo fundamental para que ocorra a metástase. Se você freia esse mecanismo, você impede o desenvolvimento tumoral”, explica Sandra.

Os testes foram feitos com células humanas malignas e normais em um tecido mamário biomimético, que imita o tecido humano real. Como o TEM é um processo que ocorre em qualquer célula cancerosa, a mesma estratégia se aplicaria para diferentes tipos de câncer. No trabalho, as cientistas observaram os mesmos resultados em células tumorais de pulmão, por exemplo.

Conhecendo o potencial da crotoxina, o objetivo do grupo é identificar quais subunidades da proteína seriam responsáveis pela atividade antitumoral. “Esse seria o caminho para sintetizar novas moléculas e desenvolver um fármaco no futuro.”

Fonte: Instituto Butantan

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