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Há 40 anos, quando ingressou na faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo (USP), a infectologista Fan Hui Wen sabia que as mulheres eram minoria por lá e que grande parte das especialidades médicas eram consideradas masculinas. Ela também sabia que o trabalho feminino era considerado menos importante e quando uma mulher se destacava no mundo científico ou na gestão era algo considerado surpreendente.

Mas nada disso tirou a vontade da taiwanesa naturalizada brasileira de seguir em frente e se tornar referência mundial na produção de soros hiperimunes – medicamentos capazes de curar doenças e envenenamentos por animais peçonhentos, determinados agentes infecciosos, além de serem imprescindíveis na profilaxia antirrábica, e que poderão se tornar uma opção de tratamento contra a Covid-19.

Recentemente, a hoje diretora técnica de produção de soros do Instituto Butantan foi homenageada com o título Woman in Life Sciences, premiação da PDA Brazil, afiliada da associação de empresas farmacêuticas Parenteral Drug Association (PDA), com sede nos Estados Unidos. A láurea é um reconhecimento da trajetória profissional da médica especializada em Medicina Tropical e Saúde Coletiva que se tornou porta-voz quando o assunto são os antivenenos produzidos pelo Butantan há mais de cem anos.

A doutora Fan, como é conhecida no instituto, também é uma das líderes do projeto do soro anti-SARS-CoV-2, que está em ensaio clínico e poderá servir de tratamento para casos graves de Covid-19, especialmente em imunossuprimidos e pessoas que não podem receber a vacina. “Este prêmio significa muito porque é um reconhecimento que existe não só para mim, mas para um grupo de pessoas, muitas delas mulheres, que trabalha com soros. É um reconhecimento de um produto que salva vidas”, afirma Fan.

Resposta tradicional para problemas atuais

Fan começou seu trabalho no Butantan na década de 1980 fazendo estágio de residência médica no Hospital Vital Brazil, unidade de atendimento médico que fica dentro do instituto e é referência nacional e internacional no atendimento de pacientes picados por cobras, escorpiões, aranhas e outros animais peçonhentos. Lá, aprendeu como os soros são aplicados e qual o produto mais adequado para cada acidente ofídico.

Com o tempo, Fan abraçou a fabricação dos soros, envolvendo-se na pesquisa para melhorar sua pureza e, por consequência, na produção das fábricas. A experiência de anos no setor lhe impulsionou para a gestão. Hoje, ela lidera a equipe da produção desses medicamentos, feitos a partir do plasma sanguíneo de cavalos e que passam por processos laboratoriais até estarem prontos para a administração em humanos. “Eu sou muito movida a desafios, gosto de uma coisa difícil. Acho que as mulheres têm essa capacidade de vislumbrar o desafio como uma grande oportunidade e é isso que acontece com as mulheres no campo da saúde, da ciência: superam obstáculos, transpõem desafios para alcançar um objetivo maior”, pondera.

Segundo a diretora, o desenvolvimento do soro anti-Covid se deu pelo trabalho árduo de uma equipe multidisciplinar e pela experiência do instituto na tecnologia de produção dessas imunoglobulinas. O reconhecimento deste trabalho com o prêmio Women in Life Sciences reforça que o produto, apesar de ser modulado a partir de uma tecnologia tradicional, continua necessário e capaz de se modernizar. “O sucesso e o alcance que nós tivemos com o soro anti-Covid se deve ao esforço coletivo das equipes de produção, de desenvolvimento, de qualidade, de ensaios clínicos e do regulatório, enfim de todas e todos que acreditam que sejamos capazes de desenvolver um novo soro mantendo os padrões de qualidade”, explica.

Uma vida dedicada à ciência e à saúde

Women in Life Sciences premia mulheres brasileiras cujos trabalhos são destaque na ciência, liderança, educação, empreendedorismo e na realização de projetos de sucesso na indústria científica. Segundo o comitê organizador do prêmio, a doutora Fan foi escolhida “por sua trajetória profissional dedicada à saúde coletiva e particularmente por sua atuação brilhante de liderança nas questões relacionadas à pandemia de Covid-19 com o desenvolvimento e produção do soro anti-SARS-CoV-2”.

Fan conta que sua trajetória pela ciência, mais especificamente no Butantan, se deu por um “encantamento” pela estrutura do instituto, que lhe permitiu entender todo o processo do cuidado médico, desde o aprendizado sobre a formulação do produto que salva vidas, como pela possibilidade de participar de políticas públicas para a extensão do acesso destes soros para quem realmente precisa. Anualmente, o Instituto Butantan distribui 500 mil ampolas de soros para o Sistema Único de Saúde (SUS), além de atender milhares de pessoas no Hospital Vital Brazil.

“Como a premiada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie disse, nós mulheres somos capazes de mudar o mundo. Enquanto eu lia os e-mails que recebi me parabenizando pelo prêmio, eu me lembrei disso. Acho que esse reconhecimento traz essa mensagem, que nós temos esse papel, essa missão, de fazer com que jovens mulheres, cientistas, profissionais de saúde e de todos os campos acreditem que são capazes de modificar o mundo.”

Fonte: Instituto Butantan

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