A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo – APqC – lamenta a perda do Museu Nacional do Rio de Janeiro, completamente destruído por um incêndio de causas ainda desconhecidas, na noite de ontem (02/09). A tragédia sem precedentes afetará a ciência no Brasil, uma vez que o museu abrigava 200 anos de pesquisas e trabalhos acadêmicos em seu acervo estimado em vinte milhões de itens.

O Museu Nacional era a instituição científica mais antiga do País e o quinto maior museu do mundo. Entre outras peças continha a maior coleção egípcia da América Latina, com múmias e sarcófagos intactos, um vasto acervo histórico e cultural dos povos africanos e americanos pré-colombianos, bem como do Brasil pré-histórico. O fóssil mais antigo de um ser humano encontrado em território brasileiro, que foi denominado “Luzia”, também estava no museu. Havia ainda uma coleção de insetos raros, de animais datados da explosão cambriana e dinossauros que habitaram nosso continente. Desapareceram no incêndio os Afrescos de Pompeia e toda a coleção particular da Imperatriz Tereza Cristina.

Também se perdeu por completo uma das maiores e mais importantes bibliotecas do mundo ocidental, composta por milhares de obras raríssimas, como os livros da expedição de Napoleão no Egito, a Bíblia Poliglota de Antuérpia, datada de 1569 (obra monumental de Cristóvão Plantin, o mais renomado impressor do século XVI), a primeira edição de “Os Lusíadas”, de 1572, e o primeiro jornal impresso no mundo, publicado em 1601.

Tudo isso culminou, segundo o diretor-adjunto do Museu Nacional, Luiz Fernando Dias Duarte, com a destruição das carreiras de cerca de 90 pesquisadores que dedicavam sua vida profissional àquele prédio. Trata-se de uma das maiores tragédias culturais de que se tem notícia no Brasil.

Diante dela, a APqC manifesta o seu repúdio à forma como a pesquisa científica, a memória e o patrimônios culturais do povo brasileiro têm sido tratados em nosso país. Há pelo menos três anos que a direção do Museu Nacional vinha reclamando a necessidade urgente de verbas para a reestruturação de seu acervo e espaço físico.

A instituição deveria receber um repasse anual de R$ 550 mil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas nos últimos anos estava recebendo apenas 60% deste valor e passou a limitar verbas para a pesquisa, além de fechar algumas áreas de exposição. Recentemente, o museu chegou a anunciar uma “vaquinha virtual” para arrecadar recursos junto ao público.

A situação pela qual passava o Museu Nacional, infelizmente, não é exceção no Brasil. A maior parte dos institutos científicos do país se encontra em crise devido à ausência de políticas públicas voltadas para a preservação de acervos e investimentos em pesquisas. No Estado de São Paulo, por exemplo, os institutos representados pela APqC estão trabalhando há anos no limite. O recente incêndio no Instituto Butantan é prova disso.

Além da falta de manutenção de suas instalações físicas, um problema grave que afeta diretamente o pleno funcionamento dos nossos institutos científicos e, por consequência, o desenvolvimento da ciência no país, é o déficit de funcionários. A abertura de concursos públicos é uma demanda antiga da categoria, que vem sendo reiteradamente ignorada pelo governo estadual. Muitas pesquisas estão sendo interrompidas porque servidores estão se aposentando e o Estado não está preenchendo as vagas disponíveis. Estamos, portanto, diante de uma tragédia anunciada.

Antes que outras destruições irreparáveis voltem a acontecer é preciso que os pesquisadores científicos se organizem para manifestar seu repúdio e exigir dos governantes uma resposta rápida e efetiva aos problemas há muito apontados por nós. É preciso que a sociedade se conscientize e esteja ao lado dos pesquisadores nessa luta. Um povo sem memória é um povo sem história.

Cleusa M. Lucon

Presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo – APqC

 

WhatsApp Image 2018-09-03 at 10.30.04

Compartilhar: