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O pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Ruter Hiroce, é reconhecidamente um dos maiores especialistas do Brasil na área de adubação e nutrição de plantas. Mesmo aposentado, aos 86 anos, o agrônomo continua sendo convidado para palestras e entrevistas sobre o trabalho que desenvolveu por mais de 40 anos.

Além da contribuição científica prestada à sua área de atuação, Hiroce se notabilizou também como viajante. Reportagens veiculadas na imprensa nacional chegaram a classificá-lo como “o maior turista do mundo”. Os números impressionam: foram 151 países e 865 cidades visitadas ao longo da vida.

No entanto, o que pouca gente sabe, é que Hiroce exerceu papel determinante na criação da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), oficializada em 2 de agosto de 1977. Na ata de fundação, a sua assinatura é a segunda da lista, atrás apenas a do médico patologista José Reis, convidado para ser o presidente de honra da entidade.

Em entrevista ao site da APqC, Ruter Hiroce fala de sua trajetória como pesquisador e relembra os bastidores da fundação da Associação.

APqC – Como foi que o senhor começou a se interessar pela agronomia e como se deu o ingresso na carreira de pesquisador?

Hiroce – Foi um caminho natural. Meus pais eram japoneses da cidade de Fukui e eram agricultores. Eles vieram para o Brasil incentivados pela política de imigração e colonização no começo da década de 1940 e se estabeleceram em um pequeno sítio em Parintins, no estado do Amazonas. Foi lá que eu nasci, pouco depois da chegada deles, e cresci em meio à uma plantação de arroz.

APqC – Nessa época, o senhor já pensava em ser agrônomo?

Hiroce – Não, não. Eu era só uma criança. Essa vontade nasceria quase que por um acaso, anos mais tarde. Antes disso, a gente se mudou para Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo, porque os mosquitos e as pragas da Amazônia não deixavam a plantação de arroz ir para frente em Parintins. Lá era difícil, então os pais decidiram buscar outras terras. Moramos em Mogi das Cruzes e depois em Viçosa, no estado de Minas Gerais. Foi quando meus pais deixaram o arroz de lado e passaram a plantar tomate, pepino e pimentão. Dessa vez, a coisa deu certo.

APqC – O senhor disse que a agronomia cruzou o seu caminho por acaso. Como foi isso?

Hiroce – Na verdade, nunca pensei em estudar agronomia por ter vocação. Eu fui estudar agronomia na Universidade Federal de Viçosa porque era o curso menos custoso para os meus pais – e também porque a faculdade era a mais próxima de nossa casa. Eu gostava de lidar com a terra, mas até então não pensava em trabalhar profissionalmente com isso.

APqC – E como o senhor chega ao IAC?

Hiroce – Em 1964, três anos depois de formado e de ter trabalhado sem muita vontade em uma fábrica de pesticida, um conhecido me convidou para trabalhar como químico analítico no IAC. Eu entrei com o Fundo de Pesquisa do IAC, que na época era usado para contratar pesquisadores temporários. Mas, como gostaram muito do meu trabalho, disseram para eu estudar para o concurso e me deram todo apoio. Fui efetivado anos mais tarde e só saí do IAC aposentado. Na verdade, acho que nunca saí, né? Eu ainda tenho amigos lá e as pessoas ainda me procuram para falar do meu trabalho na área de adubação e nutrição de plantas.

APqC – O senhor teve papel importante na fundação da APqC. Poderia falar um pouco sobre as suas lembranças?

Hiroce – A carreira de pesquisador científico havia acabado de ser reconhecida por lei e o meu colega Carlos Jorge Rossetto sentiu a necessidade de criar uma associação para representar a categoria. Na época, acho que em 1976, ele convidou alguns amigos para discutir a redação de um estatuto. As reuniões aconteciam na casa do próprio Rossetto. Era um tempo bom de muito idealismo. A gente acreditava que estava fazendo algo importante pelo coletivo.

APqC – O senhor se lembra de quem mais estava nessas primeiras reuniões?

Hiroce – Não sei se vou me lembrar de todo mundo, mas havia o José Bertoni, o Ivan José Antunes Ribeiro, o Arnaldo Guido de Souza Coelho e o Condorcet Aranha. Eram pesquisadores de várias áreas, representando vários institutos. Essa diversidade era importante para não parecer que seria uma associação de agrônomos. Tomamos muito café na casa do Rossetto até chegar a um consenso e aprovar os termos do estatuto.

APqC – O professor José Reis é o primeiro presidente da Associação. Como ele entra nessa história?

Hiroce – A ideia de convidar o José Reis para ser o primeiro presidente foi do Rossetto e nós acatamos. Ele não participou das primeiras reuniões, mas era um cientista renomado na época, era médico e também jornalista. Desenvolvia um trabalho fundamental de divulgação científica, algo novo na época. Ele aceitou a missão e foi o primeiro a assinar a ata de fundação, como forma de avalizar a entidade.

APqC – E por que o senhor é o segundo nome da ata?

Hiroce – Foi só uma coincidência. Não tem nada a ver com ser mais ou menos importante do que alguém. Ocorre que, no dia marcado para assinar a ata de fundação, que se deu em 1977 no salão do Instituto Biológico, cheguei mais cedo do que o resto do pessoal e acabei sendo o primeiro a assinar. Acho que o Condorcet Aranha, que foi de carona no meu carro, foi o segundo a assinar. O local destinado à assinatura de número 1 estava em branco, porque o José Reis estava ocupado no momento e só poderia assinar depois. Então assinei embaixo e foi assim que me tornei o sócio de número 2 da APqC.

APqC – Qual era a grande reivindicação dos pesquisadores na época de fundação da APqC?

Hiroce – Era e continua sendo a equiparação salarial, né? No princípio, os vencimentos dos pesquisadores eram iguais aos dos professores universitários, mas depois houve uma mudança e fomos ficando defasados. Estamos nessa luta até hoje, avançamos em várias frentes, mas ainda não conseguimos resolver essa questão. Mas uma coisa eu garanto: sem a APqC teria sido tudo mais fácil para os governantes e secretários. Nós somos a pedra no sapato deles.

Bruno Ribeiro, para o portal da APqC

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