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Eloisa Garcia, diretora do ITAL

O Panorama ABIAD entrevistou Eloísa Garcia, diretora geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, sobre as pesquisas e inovações na produção de alimentos. Na conversa, além de responder às perguntas, Eloísa ressaltou que considera muito importante para esse segmento a certificação contra fraudes, que podem ser feitas de várias maneiras. Por atuar com produtos de alto valor agregado, o segmento é mais suscetível a esse tipo de problema. Se um produto tem prebióticos, por exemplo, é necessário saber se é funcional e é indicado para o consumidor público-alvo. Trata-se de um grande desafio a ser enfrentado e que exige constante atenção da Abiad e esse tema ainda requer muita pesquisa e desenvolvimento de técnicas de investigação.

Confira abaixo a entrevista exclusiva publicada originalmente no site da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD).

PANORAMA: Na sua opinião, quais foram as principais inovações que a pesquisa científica gerou para a indústria de alimentos nos últimos anos e por quê?

ELOÍSA: A pesquisa está trabalhando muito no desenvolvimento de novos ingredientes saudáveis e por isso busca novas matérias-primas como frutas não tradicionais e resíduos agroindustriais, visando desde novos aromas até ação antioxidante, incluindo tecnologias de obtenção, de purificação e de aplicação. Para isso, têm sido pesquisados ramos como a microencapsulação de bioativos, a melhoria da estabilidade dos compostos e processos de extração mais sustentáveis.

Essas inovações devem-se primeiro à exigência do consumidor por novidades ao paladar, produtos plant based e melhorias nutricionais como suco com mais vitaminas e iogurte com pré e probióticos mais efetivos. Há, portanto, interesse na variação de sabores e texturas, na relevância do alimento na sua nutrição e no atendimento a restrições por questões de crença e saúde.

As demandas vêm do consumidor por motivos diferentes. A própria Covid-19 fez ele refletir um pouco mais sobre como a alimentação pode deixá-lo mais saudável ou lhe trazer mais serenidade e tranquilidade.

PANORAMA: Os consumidores, de maneira geral, estão mais conscientes quanto à importância de se buscar alimentos seguros como forma de prevenção de doenças e promoção de saúde? Sente que houve mudança nesse aspecto com a pandemia de Covid-19 ou os assuntos não se “cruzaram”?

ELOÍSA: Houve aumento da demanda mais por saudabilidade, mas ainda o consumidor não entende muito a questão da segurança: não consegue ter uma correta visualização. No contexto da pandemia, a tendência foi procurar por produtos in natura, produzidos e ofertados perto de casa, mas não buscar saber se são seguros e como foram feitos os processos de produção. Acentuou-se também a entrega de produtos, o que deixa mais complexo o controle de segurança. Vejo que o consumidor tem mais consciência para melhorar sua saúde no aspecto nutricional, mas não no aspecto da segurança dos alimentos.

 PANORAMA: Quais frentes de pesquisa o Ital tem desenvolvido? Como você enxerga o futuro a curto e médio prazo nessa questão (alguma linha será abandonada em detrimento de outras ou alguma será mais importante do que é hoje)?

ELOÍSA: No Ital temos diferentes linhas de pesquisa para atender várias necessidades da indústria de alimentos, bebidas, ingredientes e embalagem. Nos últimos anos têm se destacado os estudos de segurança contra contaminação química e microbiológica em alimentos, com capacidade analítica ampliada recentemente para atuar também com biologia molecular.

Temos focado ainda em pesquisa e desenvolvimento de proteínas vegetais, buscando novas fontes com ênfase em matéria-prima nacional e novos produtos e formulações com apelo nutricional e sensorial, levando em consideração desafios como as questões regulatórias, a estabilidade do fornecimento e o clean label.

Outra área que o Ital tem trabalhado é o desenvolvimento de formulações com menor teor de sal, açúcar e gordura, com mais fibras e com probióticos e prebióticos.

Adicionalmente, estamos com uma proposta sob análise da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) do Núcleo de Pesquisa Orientada a Problemas (NPOP), a Plataforma Biotecnológica de Ingredientes Saudáveis (PBIS), parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que visa, dentre outros objetivos, desenvolver novos ingredientes nacionais competitivos e com alta performance de aplicação e agregar valor a resíduos agroindustriais, viabilizando-os para o desenvolvimento de alimentos e bebidas com melhor valor nutricional.

Na área de embalagem, temos atuado no apoio ao desenvolvimento tecnológico da reciclagem, com enfoque, por exemplo, na avaliação de materiais reciclados pós-consumo para produção de novas embalagens e de outros produtos.

PANORAMA: Qual o volume de pesquisa que é gerado pelo Ital e por outros órgãos de pesquisa ligados à alimentação no Brasil? Como estamos em relação aos demais países?

ELOÍSA: Existe um complexo de pesquisas voltado ao agronegócio e mais especificamente em alimentos no Brasil, mas, como em todas as áreas, há um descompasso do país frente aos grandes players mundiais como EUA e Europa. As pesquisas lá fora estão mais evoluídas, mas a academia e os institutos de pesquisa brasileiros vêm trabalhando para mudar esse cenário, se fortalecendo. Cada vez mais estamos convencidos de que se tem uma área em que o País pode ter liderança é na nossa.

E existe um movimento nesse sentido: iniciativas de integração de pesquisa público-privada, hubs se voltando para o agro e ecossistema de inovação se abrindo. Isso é muito positivo porque acelera a evolução de PD&I com uma visão de no futuro o Brasil ser líder mundial, especialmente em tecnologia de alimentos. Na área de ingredientes alimentícios, estamos fortes, mas precisamos acelerar, pois com nossa disponibilidade de recursos naturais temos tudo para sermos protagonistas nesse fornecimento.

Ciente do papel estratégico que possui nesse contexto, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, da qual o Ital faz parte, lançou em 2020 uma nova programação de pesquisa dividida em três áreas estratégicas – inovação e tecnologias emergentes, sustentabilidade e segurança alimentar – com 13 programas com temas agregadores, para que seus institutos de pesquisa trabalhem melhor em rede, por vezes junto à extensão rural, à defesa agropecuária e ao desenvolvimento dos agronegócios, e consigam transferir com maior eficiência os resultados aos usuários das tecnologias.

PANORAMA: O que é mais complexo, demorado e caro: desenvolver novos ingredientes alimentares ou novas tecnologias de processamento e conservação de alimentos?

ELOÍSA: As novas tecnologias são mais desafiadoras, porque já temos muita coisa desenvolvida e a conservação requer um tempo de gestão e um tempo de implantação no mercado. Se você desenvolve um ingrediente com boa performance, logo consegue colocar no mercado, já novas tecnologias envolvem investimento maior, porque demandam a aquisição de uma linha de processamento.

O que se tem visto mais é uma evolução para incorporar o conceito de indústria 4.0: trazer a automação para dentro da gestão das linhas de produção e com isso melhorar a qualidade, o controle e a produtividade. Esse movimento tem sido mais forte do que o desenvolvimento de uma nova tecnologia, mas não significa que não há inovação em tecnologias. Existe uma frente que a gente trabalha no Ital, por exemplo, que é a tecnologia de micro-ondas, tanto para processamento, quanto para a melhoria de qualidade de matérias-primas e ingredientes.

Eloísa Garcia. Engenheira de alimentos e mestre em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tendo em seu currículo diversos cursos complementares no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Japão. É diretora geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), onde começou a carreira como pesquisadora científica em 1983, tendo atuado também como Gerente Técnico dos Grupos de Embalagens Plásticas e de Meio Ambiente no Centro de Tecnologia de Embalagens (Cetea) de 1995 até 2018; paralelo ao cargo de vice-diretora do Instituto (2014-2019). Na área científica, especializou-se em embalagens plásticas, com vasta experiência em pesquisa e assistência tecnológica nas áreas de desenvolvimento de embalagem, de avaliação do potencial de interação embalagem/produto e sobre legislação de embalagem e segurança de alimentos. Coordenou estudos de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) de materiais e embalagens e projetos de desenvolvimento de produtos com menor impacto ambiental.

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