Em artigo publicado na revista Agroanalysis, o dr. Roberto Rodrigues analisa as perspectivas do cenário político e econômico do Brasil e, especialmente do agronegócio, para 2019. Leia abaixo, na íntegra.

Fartura e “Faltura”

Entramos em 2019 cheios de esperança. Isso é normal: em todo ano novo vem a impressão de que as coisas vão melhorar, como se a “folhinha” tivesse um poder especial de mudar o eixo do mundo. E desta vez tem o adicional de um governo novo, com promessas liberais que encantam o empresariado em geral. No entanto, 2018 foi embora e deixou muitas incertezas. As escaramuças entre os Estados Unidos e a China ainda podem estimular uma retomada protecionista nos países mais ricos, gerando dificuldades comerciais para os emergentes no médio prazo, inclusive no setor agroalimentar. Mas parece que a anestesia geral dada pelas Festas Natalinas não deixa isto claro. Nem o enésimo fracasso na tentativa de um acordo UE/Mercosul teve o impacto negativo que merece. Ou as obrigações retomadas na COP 24 na Polônia, ratificando as decisões do acordo de Paris, e com uma diferença fundamental: na COP 21 o Brasil assumiu compromissos espontâneos para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, com marcante papel da agropecuária nessa missão; e agora há uma incerteza se nosso país continua assinando o Acordo do Clima ou não, o que terá importância na decisão de países importadores de nossos alimentos.
São alguns dos temas que determinarão o resultado de uma safra agrícola bem atribulada. Devemos colher novo recorde de grãos, se o travesso El Niño permitir, e ele já tem feito algumas molecagens pelo país afora. E os custos de produção aumentaram, empurrados por pelo menos dois fatores conhecidos: os preços dos fertilizantes subiram em dólar, e o frete explodiu depois da greve dos caminhoneiros e da decisão do STF quanto à tabela de transportes. Outros fatores terão impacto na renda do campo, como o câmbio, uma permanente interrogação, e a reação dos importadores quanto a questões menores para nós, mas grandes para alguns, como a especulada mudança da nossa embaixada em Israel para Jerusalém.
Para o consumidor brasileiro, as notícias são boas: haverá fartura de alimentos para todos, isso vai ajudar a manter baixa a inflação, além de contribuir para o crescimento do PIB. Se os investimentos em infraestrutura vierem como se anuncia, os empregos voltarão, isso demora um certo tempo para acontecer, e os reflexos positivos não serão relevantes em 2019. Mas ajuda o astral.
No terreno da economia, não resta dúvida que o acerto das contas públicas é o calcanhar de Aquiles da real mudança, e a reforma da Previdência é a questão central.
Tudo isso tem impacto na renda rural, e o cenário não é dos mais risonhos: as margens deverão ser menores que em anos anteriores.
Mas há um tema central para o qual governos Federal e Estaduais não poderão mais recalcitrar: trata-se de inovação tecnológica na agropecuária, alavanca absolutamente essencial para o desenvolvimento e a competitividade. Em alguns Estados, como São Paulo, as tradicionais instituições de pesquisa estão desatendidas há anos, e há grande desânimo no IAC, no IB, no IEA, IZ, IF, ITAL e etc. Isso precisa mudar: esperamos que pelo menos nesse setor a mudança do calendário tenha efeito positivo e não falte apoio para a ciência e a tecnologia, sem o que logo não conseguiremos competir.

Roberto Rodrigues é Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas e Titular da Cátedra de Agronegócio da USP.

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