O dia 22 de março é o Dia Mundial da Água, estabelecido pela ONU em 1993 para conscientizar a todos quanto ao dever de se conservar esse recurso esgotável. Sem água não há vida no conceito biológico. É amplamente sabido que muitos povos no mundo sofrem com absoluta escassez de água.
O Brasil possui cerca de doze por cento da água doce mundial, mas perto de setenta por cento desses recursos estão na sua região norte, que tem apenas algo como sete por cento da população nacional.
Além de manter a biodiversidade, a água é essencial para o saneamento, a higiene orgânica, o equilíbrio atmosférico, a produção de energia, a preservação dos ecossistemas, o transporte (navegação), a produção alimentar, a produção industrial, etc.. É importante para o lazer e a prática do esporte.
Face à diminuição da precipitação de chuvas ultimamente com relação à série histórica em importantes partes do Brasil, é de se perceber que toda a população já foi devidamente conscientizada pelos governantes da necessidade de utilização desse recurso (a água) com parcimônia, o que tem acontecido. Mas será que tão somente isso resolve? Seguramente é condição necessária mas não suficiente. Mais necessária ainda é a competência de administradores governamentais para tratar do assunto, com o estabelecimento e a execução de políticas públicas.
Lembremo-nos todos de que há alguns anos tivemos grave crise de abastecimento urbano de água na Grande São Paulo e em algumas outras localidades, o que acarretou sério racionamento, embora os governos não usassem esse termo. O problema foi minorado com alguma urgência face às providências emergenciais adotadas.
Quase todos associam a água a rios, lagoas, lagos, geleiras, mangues, mares internos, oceanos, etc., enfim à água superficial. Vamos falar agora de outra fonte de água, que é a água subterrânea. A água subterrânea é aquela que preenche poros ou fissuras nas rochas e que fica abaixo da superfície do solo, só aparecendo quando forma minas de água. Existem águas subterrâneas tão antigas que chegam a ter milhões de anos de idade e freqüentemente são mineralizadas contendo enxofre, boro, carbono, flúor, magnésio, cloro, sódio, bário, cálcio, estrôncio ou nitrogênio, etc.. Essas costumam ficar a grandes profundidades não aparecendo na superfície. Existem também águas subterrâneas atuais formadas pela infiltração pelas chuvas, ficando na parte mais superior do subsolo constituindo o que se chama de lençol freático. A água subterrânea é obtida por meio de poços semi artesianos (os que exigem bombeamento) ou por poços artesianos (quando a água jorra espontaneamente por ter alta pressão natural que supera a pressão atmosférica).
Certamente todos já ouviram falar do Aqüífero Guarani (aquífero é o nome dado a unidades rochosas ou de sedimentos com vazios permeáveis que armazenam e transmitem água subterrânea em volumes passíveis de exploração). O Aqüífero Guarani é uma gigantesca porção geológica que ocupa partes de Argentina, Uruguai e Paraguai, assim como grandes áreas das regiões sudeste, centro-oeste e sul do Brasil (cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados). Estima-se um volume de 45 mil quilômetros cúbicos de água no mesmo, estando 65% desse total no Brasil. É um autêntico “mar” subterrâneo. Boa parte está no Estado de São Paulo.
Trabalhei durante quarenta e três anos no Instituto Geológico, atualmente na Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo e lembro-me de ter participado da perfuração de dezenas de poços semi artesianos em pequenas e médias municipalidades ou seus distritos, todos a custo quase zero para as prefeituras municipais, o que levou esses burgos a melhorar o saneamento básico, a saúde pública, as produções agrícola e industrial, ocasionando crescimento econômico e melhoria das condições de vida, face ao novo, volumoso e puro abastecimento hídrico. A água subterrânea normalmente não carece de tratamento, tornando sua distribuição mais barata que a da água de superfície.
Hoje o Instituto Geológico não perfura mais poços em parte por que as sondas desgastaram-se e tornaram-se obsoletas, sem reposição e por não ter mais havido concurso para admissão de sondadores e pesquisadores científicos. Os poços de hoje são perfurados por empresas, a custo à vezes muito elevado e geralmente sem o resguardo das técnicas seguras antes aplicadas pelo Instituto Geológico o que, não raro, provoca poluição da água subterrânea, o que é praticamente irreversível.
O Instituto Geológico possui capacidade para locar cientificamente o ponto ideal para a perfuração obtendo a melhor vazão de água e para acompanhar a referida perfuração exigindo competência técnica da empresa perfuradora. Todavia essa instituição não é utilizada pelo Governo do Estado para essa finalidade. O Governo já perfurou para si poços por empresas privadas sem a necessária consulta e conseqüente assessoria do Instituto Geológico, por desconhecimento das incumbências do mesmo que, além da já citada, são muito mais amplas, não pertinentes a este artigo.
Respeitemos a água não a desperdiçando nem poluindo, tratando-a e reciclando-a para que ela nos respeite e nos mantenha vivos. Que desastres ambientais (humanos e sociais) como os últimos rompimentos de barragens de rejeitos de mineração no Brasil (Mariana e Brumadinho) jamais voltem a acontecer.

Dr. Percy Correa Vieira, pesquisador científico e ex-presidente do Instituto Geológico

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