butantan cientistas

Elas escolheram fazer ciência mesmo diante de tantos desafios. O primeiro deles é se manter com bolsas de estudo, ao invés de salários com benefícios. O segundo: ser respeitada em áreas dominadas por homens. E o terceiro: equilibrar carreira e maternidade, um eterno malabarismo de funções e disponibilidade.

Por estes e outros motivos, ser mulher e cientista no Brasil não é fácil, mas é gratificante quando se trabalha em um local onde as mulheres têm espaço e voz. Um consenso entre a líder educacional do Museu Biológico do Instituto Butantan Melissa Padilha Duarte Rosa, 40 anos, a bioinformata do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) Gabriela Ribeiro, 27 anos,  e a tecnologista do Centro de Excelência para Descoberta de Alvos Moleculares (CENTD) Janaina de Souza Ventura, 44 anos, que conversaram com a reportagem do Portal do Butantan sobre as dificuldades e sucessos na carreira científica, em alusão ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado no último sábado, 11 de fevereiro.

A iniciativa, criada em 2015 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), tem o objetivo de fortalecer o compromisso global com a igualdade de direitos entre homens e mulheres no aprendizado e trabalho em ciência.

Melissa, Gabriela e Janaina se orgulham do impacto positivo que seus trabalhos trazem à sociedade, mas reconhecem que ainda há muito a ser feito para uma carreira equânime entre homens e mulheres. Afinal, a sociedade ainda encara o trabalho da mulher como menor ou subalterno.

Orgulho e preconceito

“Somos muitas aqui e por isso nunca tive problema no Butantan por ser mulher. Mas a área de educação tende a não ser tão valorizada de forma global, justamente porque a sociedade enxerga como um setor feminino. Por esse motivo, muitas vezes, os salários são menores”, aponta Melissa.

A mestre em zoologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que atualmente cursa pedagogia, acredita na importância de comunicar a população sobre o que a ciência produz. “O que me deixa mais feliz no meu trabalho é a possibilidade de discutir com o público sobre o conhecimento científico”, diz.

Gabriela, que é formada em zootecnia pela USP de Pirassununga, e hoje trabalha com computação, áreas majoritariamente masculinas, conta que no começo da carreira escutou que “deveria ser professora ou enfermeira”. Os comentários machistas, porém, não a impediram de continuar na área que escolheu. Após o mestrado em genética molecular pela mesma instituição, ela foi recebida no Butantan por mulheres, e se sentiu acolhida e respeitada.

“Aqui no Butantan somos privilegiadas. As mulheres são valorizadas. Isso facilita, abre nosso caminho e faz com que possamos ser nós mesmas, sermos fortes na ciência”, ressalta Gabriela.

Gabriela faz parte da equipe de bioinformatas do Butantan que detecta as variantes do SARS-CoV-2 circulantes no estado de São Paulo, informação essencial para a adoção de políticas públicas na pandemia de Covid-19. “Como eu fiz universidade pública, me vejo na obrigação de devolver coisas boas para a sociedade. Com meu trabalho me sinto mais próxima da população e que estou agregando para uma sociedade melhor”, diz.

Janaina, que tem uma longa carreira acadêmica, lembra que o convívio com homens no ambiente de trabalho nem sempre foi fácil, porque alguns se sentiam no direito de ter mais espaço do que o determinado.

“Já tive problemas com homens no laboratório, porque eles querem aparecer um pouco a mais. Mas, na grande maioria, ser mulher aqui no Butantan é mais tranquilo porque sempre trabalhei com muitas mulheres, sempre tive orientadoras e chefes mulheres”, diz a doutora em ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e pós-doutora em ciências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Atualmente, o Instituto Butantan conta com 415 servidores. Destes 125 são pesquisadores, entre os quais 89 são mulheres. Na Escola Superior do Instituto Butantan, dos 400 estudantes, 252 são mulheres. Na Fundação Butantan, braço administrativo do instituto, dos 2.934 funcionários, 1.207 são mulheres e dos 20 pesquisadores de laboratório, 13 são mulheres.

No limite

O primeiro grande desafio de ser mulher na ciência ficou evidente ainda na graduação, onde se deve aprender a fazer pesquisa de ponta com pouco dinheiro. Gabriela, que precisou se sustentar após a morte de sua mãe no segundo ano da faculdade, dependeu de bolsas de iniciação científica para dar andamento aos estudos. Com curso integral e a necessidade de dedicação exclusiva à pesquisa, ela viveu sob grande privação econômica até se firmar na carreira.

“Eu só me formei graças à bolsa de iniciação científica. No mestrado também entrei dependendo de bolsa, porque eu precisava dela para me sustentar. Era algo em torno de R$ 600”, lembra.

Para garantir a bolsa de mestrado, Melissa mal teve tempo de comemorar a graduação.

“Tive que estudar rápido para o mestrado porque eu tinha que passar, senão teria que procurar emprego no mercado. Você está sempre no limiar com o dinheiro da bolsa, que não é muito e você tem que fazer muito com ele: pesquisar, estudar, ir a congresso, produzir. É viver no limite”, diz Melissa.

Para Janaina, outro ponto sensível à dependência de bolsas é a demora em recebê-las, uma das sensações “mais aflitivas” que se tem na vida. “A vida acadêmica é uma trajetória. Da iniciação ao gap para o mestrado, há toda uma aflição que você tem que saber lidar porque uma hora sai a bolsa e vem o alívio. No doutorado, quatro anos de alívio. E no pós-doc você procura emprego, manda currículo, não aparece nada, você fica angustiada. Mas, no fim das contas, as coisas fluem”, relembra Janaina.

No Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) oferece várias modalidades de bolsas de formação e fomento à pesquisa. Os alunos de graduação podem se candidatar para bolsas de iniciação científica, enquanto para os de pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado) as bolsas são concedidas diretamente pelo CNPq ou por instituições de ensino e pesquisa para as quais o órgão destina as bolsas.

Segundo o Programa Nacional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC 2022-2023), o valor atual da bolsa dessa modalidade é de R$ 400 por mês. Um dos requisitos para ter direito a ela é “não ter vínculo empregatício e dedicar-se integralmente às atividades acadêmicas e de pesquisa”, salvo algumas exceções. Os valores das bolsas de pesquisa para mestrado giram em torno de R$ 1.500 mensais e as de doutorado, R$ 2.200 – o mesmo valor há mais de 10 anos.

Invisibilidade materna

Depois de se tornar mãe, Janaina fez a transição para a área administrativa, onde se consolidou em projetos de inovação em áreas dentro do Instituto, como o Laboratório de Genética e o Hospital Vital Brazil, até chegar ao CENTD. A mudança após a maternidade não foi uma simples coincidência, mas uma necessidade de ajuste à sua nova realidade invisibilizada na rotina acadêmica.

“Eu fui para a carreira administrativa depois da maternidade para não ter a cobrança de ficar publicando artigos”, comenta Janaina.

A falta de um plano de carreira que preveja a licença-maternidade e outras necessidades do cuidado vem sendo colocada em xeque por pesquisadoras, inclusive as que não são mães, como um alicerce àquelas que optarem pela maternidade.

“Hoje temos mais mulheres na ciência e mais pessoas entendem a necessidade de incluir essas informações sobre filhos no Currículo Lattes para dar suporte umas às outras. Isso traz mais sensibilidade e um lado mais humano para a carreira acadêmica, e para reconhecer que é muito exaustivo lidar com estes dois lados”, diz Gabriela.

Para Melissa, este olhar ajuda a questionar a estrutura patriarcal do mundo do trabalho. “Como você tem que produzir todos os anos sem parar? A mulher que tem filho precisa parar. Se estas discussões estiverem presentes, essas exigências começam a pairar sob o mercado”, reflete Melissa.

Em abril de 2021, o CNPq incluiu o campo licença-maternidade no Currículo Lattes, o que o próprio órgão chamou de “evolução”. Em 2005, a instituição criou o programa Mulher e Ciência em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e outros órgãos. O programa visa promover a participação de meninas e mulheres na ciência, além de promover pesquisas sobre relações de gênero, mulheres e feminismo.

Lugar de mulher é… na ciência

Mesmo diante das dificuldades econômicas e laborais, Janaina, Melissa e Gabriela não se arrependem de ter seguido a carreira científica, pela qual se apaixonaram nas aulas de ciências no ensino médio. Às meninas que pretendem percorrer este caminho, o conselho delas é “não desistir”. O motivo cada dia fica mais claro: quantos mais espaços as mulheres ocuparem, mais terão condições de ter suas demandas atendidas.

“Quanto mais diversidade, mais discussões, mais projetos, e mais mulheres nos diversos ramos da ciência, mais enriquecedor será para sociedade”, diz Gabriela.

Para Melissa, a menina que decidir seguir a carreira científica terá uma grande oportunidade de se inspirar nas que já ocupam espaços e a chance de encorajar outras que pretendem ocupá-los. “Temos que falar com as meninas que vivem nas periferias, em situações mais difíceis, entender que o caminho delas é mais difícil, por isso precisamos ter também mais mulheres negras e trans na ciência”, pondera.

Apesar da ainda corrente necessidade de mudanças estruturais, Janaina observa um grande avanço no papel da mulher na carreira científica, o que já vem fazendo diferença nas gerações atuais.

“A vida toda nós tivemos mulheres cientistas, mas antigamente elas estavam sempre atrás do homem, eram ajudantes dos maridos. Hoje em dia é diferente”, conclui Janaina.

Fonte: I. Butantan

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