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Opinião

Aparentemente face à divulgação de que o Instituto Butantan desenvolveu uma vacina totalmente brasileira, para somar-se às outras existentes, algumas disponíveis no Brasil, pareceu que do nada surgiu uma vacina ou de repente aconteceu…
Logo depois do anúncio do Butantan, o ministro de Ciência e Tecnologia do governo federal, também anuncia uma vacina brasileira…
O que aconteceu?
Para quem acompanha o dia a dia do desenvolvimento científico, que ocorre em centros importantes de pesquisa brasileiros, sabe que são várias as vacinas em estudo e desenvolvimento em suas fases iniciais. Na UFMG, no Instituto do Coração, na Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, no Instituto Butantan, na Fiocruz… São várias as iniciativas.
Mas nada disso ocorre de repente. Retirado o lado político de anúncios, da busca pela primazia de ser o primeiro, fica o que de fato faz sentido e é importante.
Hoje, em qualquer campo de pesquisa, são necessárias equipes multidisciplinares para dar conta de lidar com as multifaces e abordagens de estudos complexos, além da enorme quantidade de dados gerados. Para tanto, trabalha-se em rede e interagindo com pesquisadores de vários países. Daí o porquê de esses anúncios revelarem participantes internacionais.
Somente o contínuo investimento financeiro em insumos, equipamentos e na formação de recursos humanos para a pesquisa científica e apoio à pesquisa dos Institutos e Universidades, pode manter essa rede capacitada para as missões institucionais a que se propõem e para prontamente atuar em situações de calamidade de saúde pública e de pandemias, como a que estamos vendo hoje.
Deve-se entender que o aporte de recursos financeiros e humanos nos Institutos de Pesquisa e Universidades, para assegurar um serviço público de qualidade, não é um “gasto”, mas um investimento, uma vez que em momentos de crise são essas instituições que possuem capacitação e competência para orientar como melhor debelar problemas. E está presente uma ameaça pairando sobre o sistema brasileiro de ciência e tecnologia.
A geração de uma nova tecnologia, muito comumente, demanda de cinco a dez anos de trabalho ininterrupto e sua interrupção ou descontinuidade leva a perdas consideráveis de investimentos já realizados. A ciência e a tecnologia são cumulativas. Se o Brasil perder o que acumulou em décadas de pesquisa científica, além das consequências para a sociedade, perderá relevância na comunidade internacional, justamente quando enfrentamos crescentes desafios em escala global.
O caso do coronavírus e a mobilização da comunidade científica internacional para enfrentar a letalidade do novo vírus exemplificam o valor do caráter cumulativo do conhecimento e da ciência e mostram os riscos que o Brasil corre ao cortar investimentos em universidades e centros de pesquisa responsáveis pela produção científica no país.
A rápida identificação e isolamento do vírus Sars-Cov-2 e a produção de vacinas para seu controle só foi possível graças ao conhecimento científico acumulado a respeito desses tipos de vírus, ao desenvolvimento de equipamentos e tecnologia e à existência de profissionais treinados para realizar esse trabalho.
Não é impensável que de uma hora para outra surjam novamente situações como esta que se vive agora. Apesar de sugerido, não se poderia prever, em sã consciência, o surgimento de um novo tipo de coronavírus, como ocorreu. Daí, alertar-se para não desestruturação do segmento de pesquisa científica que suporta o desenvolvimento tecnológico e de inovação, pois se isso ocorrer seu custo será muito alto para o País. E exatamente quando se enfrenta desafios presentes e potenciais em escala global.
Em um dado momento, a pesquisa, por mais básica que aparentemente seja, atenderá às necessidades de demandas da sociedade, demandas essas do presente ou do futuro. A grave crise deflagrada pela Covid-19 é uma oportunidade para o Governo do Estado de São Paulo rever e estabelecer uma efetiva e inteligente política de Ciência e Tecnologia, hoje não presente. Enfrentar esse desafio resultará, certamente, em futuro auspicioso.

João Paulo Feijão Teixeira é engenheiro agrônomo e presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC)

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