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Marco Antônio Teixeira Zullo*

Em visita ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em 27 de julho de 2021, ocasião em que anunciou o plano do Governo do Estado de São Paulo de investir R$ 52 milhões nos seus institutos de pesquisa agropecuária, o Vice-Governador, Sr. Rodrigo Garcia, expressou, em entrevista à imprensa (“Correio Popular”, 28/07), a intenção do Estado de contratar pesquisadores científicos sem concurso público, como forma de solucionar a crescente falta destes profissionais nos institutos de pesquisa. A medida seria aparentemente baseada em legislação referente à inovação no País.

Não houve detalhamento da proposta na ocasião, por possivelmente se tratar de projeto embrionário supostamente formulado a partir de estudos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. É provável que, em curto prazo, realmente se encontre na legislação suporte ao desejado e se venha a implementar tal medida, conhecendo-se a tenacidade com que o atual Governo do Estado persegue e alcança seus objetivos.

À primeira vista, a medida, se estendida também aos profissionais de apoio à pesquisa, soluciona um problema que há quase 30 anos aflige os institutos paulistas de pesquisa científica e tecnológica das áreas de agricultura, saúde e meio ambiente, que é a evasão de cientistas e seus auxiliares, comsequência também da pequena reposição destes servidores no período.

Ilustra o caso, semelhante em todos os demais institutos do Estado de São Paulo, a evolução dos recursos humanos do IAC: ao final de 1975, ano em que foi criada a carreira de pesquisador científico, contava com cerca de 2,1 mil funcionários, dos quais cerca de 200 profissionais de nível superior desempenhavam atividades de pesquisa científica e tecnológica. Em 1994 contava com 250 pesquisadores científicos e 1,7 mil funcionários de apoio técnico e administrativo. Vinte e seis anos mais tarde, conta com 378 servidores, dos quais 123 pesquisadores científicos e 255 funcionários técnicos e administrativos e cerca de 4 mil cargos vagos.

A questão orçamentária também evoluiu desfavoravelmente no período: enquanto em 1975 o orçamento realizado do IAC correspondia a cerca de 0,17 % do orçamento do Governo do Estado, passou, em 2020, para 0,02 % do mesmo total, resultando em quase completa perda de investimentos por parte do governo estadual e redução drástica nas despesas correntes. Investimentos recentes em seu parque tecnológico têm sido realizados, via de regra, por agências de fomento, seja por iniciativa própria de seus pesquisadores ou por esporádicas iniciativas institucionais, exceção feita ao curto período do governo de José Serra.

A despeito da fragilidade provocada pela perda de recursos humanos, tanto em quantidade quanto pelo desbalanceamento entre o número de pesquisadores científicos e profissionais de apoio e de recursos financeiros, não se pode dizer que o IAC seja uma instituição inerme. Pelo contrário, se não tem o mesmo dinamismo de alguns centros universitários, não se pode dizer que seja ineficiente: seja com o auxílio de seus pós-graduandos ou pós-doutorandos, ainda produz significativas contribuições à agricultura paulista e brasileira.

Um segundo olhar sobre a indiscrição expõe um descuido no trato da questão, com pretensa solução que não resolve os problemas atuais e de médio prazo de nossos institutos. Os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo das áreas de agricultura, meio ambiente e saúde foram criados nos últimos 140 anos para orientar e implementar políticas públicas que promovam o desenvolvimento do estado. A partir da década de 1950, baseados na constatação de que muito do que faziam em seus institutos eram atividades de desenvolvimento científico e tecnológico, profissionais destes institutos (médicos, biólogos, engenheiros e outros) iniciaram um processo para que fossem reconhecidos como pesquisadores científicos.

Isto ocorreu somente ao final de 1975, com a criação de uma carreira que, desde seu início, primou pelo reconhecimento da competência de seus integrantes – tanto que não houve o enquadramento automático dos ocupantes de cargos de nível superior nas séries de classes criadas, mas um processo seletivo em que se avaliou a adequação do trabalho desenvolvido pelo candidato ao enquadramento, suas credenciais acadêmicas e profissionais e a qualidade e quantidade de sua produção em ciência e tecnologia.

A partir do concurso seguinte, ocorrido cerca de nove anos depois, estes critérios de mérito têm sido aplicados, seja para o ingresso de novos pesquisadores seja para a avaliação da produtividade dos pesquisadores, que é realizada para cada integrante a cada quatro anos, e que pode resultar em promoção a função superior se a sua produção for superior à dos integrantes da classe a que pertence. Este sistema, em essência meritocrático, em ação desde a criação da carreira de pesquisador científico no Estado, permite a manutenção da produtividade do conjunto dos pesquisadores científicos em atividade. Porém, se não houver adequada reposição do quadro de cientistas, diminuirá a produtividade dos institutos afetados. E isto tem ocorrido paulatinamente ao longo dos últimos quase 30 anos, como se viu anteriormente pela diminuição do número de pesquisadores científicos e profissionais de apoio no IAC, caso modelo entre os demais.

É louvável que nossos institutos recebam pesquisadores externos, por prazos definidos e projetos específicos, como pós-doutores e pós-doutorandos, pesquisadores visitantes, colaboradores, ou com a terminologia adequada ao financiador de sua estada e projeto, mas estes casos são bem caracterizados, seja pela legislação seja pelas agências de fomento estadual ou federais. Estes pesquisadores imersos em uma fração da atividade institucional não têm e não podem ter qualquer atividade funcional, institucional, que não a do desenvolvimento de sua parte no projeto específico. Sua atividade é temporalmente limitada, e o será também se abrigada pelas leis de inovação em vigor. Depende também da orientação ou supervisão de um pesquisador científico responsável por sua atividade: se não houver este, quem poderá avaliar a adequação da atividade desenvolvida pelo primeiro?

Supondo que a instituição conte, como ainda conta, com líderes de programas e projetos de pesquisa que possam abrigar um pesquisador externo, qual a qualificação mínima deste para que possa ser temporariamente contratado, através de projeto claramente definido, pela instituição? Se contratado por alguma das leis de inovação, implicará o concurso de uma empresa: apenas a indicação desta será suficiente para a contratação? Será contraproducente.
É preciso, sim, sustar o esforço de extermínio dos institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. É necessário promover seriamente a sua reconstrução, com planejamento eficiente e execução firme, sem recurso a estratagemas vazios sacados pelo descaso ou ignorância em resolver um problema que se arrasta sem solução visível que não a aniquilação pela asfixia dos recursos humanos e financeiros.

*Marco Antônio Teixeira Zullo é pesquisador científico e ex-Diretor Geral do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)

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