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O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vai propor a retirada das unidades de conservação incluídas no Programa Nacional de Desestatização e pretende rever as regras de concessão para a iniciativa privada. Segundo Marina Kluppel, coordenadora Geral de Uso Público e Serviços Ambientais, a ideia é dar mais transparência aos contratos e deixar claro que a iniciativa privada assumirá a oferta de serviços e infraestrutura de turismo, mas que a gestão e a fiscalização dos Parques Nacionais e das unidades de conservação seguem sendo feitas pelo órgão, assim como a responsabilidade de autorizar qualquer tipo de uso das áreas.

Segundo Marina, ao tratar as concessões como “privatização”, o governo Jair Bolsonaro passou uma mensagem equivocada de que as empresas concessionárias seriam responsáveis integralmente pelas áreas, mas não é isso o que de fato ocorre. O ICMBio, diz, ela, continua com a gestão das áreas e vai discutir com as concessionárias as propostas de uso. O modelo de concessão de até 30 anos, segundo ela, só será feito para grandes parques, com potencial para receber mais de 150 mil visitantes por ano e que exigem uma infraestrutura maior de oferta de serviços. Nos demais casos, adianta, há outros mecanismos para atrair a iniciativa privada, como autorizações, permissões e parcerias com entidades sem fins lucrativos.

— Tivemos foco muito grande na concessão, algumas escolhas foram equivocadas. A demanda é um critério para escolha do instrumento que será usado para qualificar a oferta para o visitante. Não vamos concessionar parques com menos de 150 mil visitas por ano — afirma.

Pelo menos 14 parques estão inseridos no PND e, até junho, o ICMBio vai reavaliar as áreas anunciadas para verificar qual a melhor forma de parceria em cada uma delas. No total, o Brasil tem 74 parques nacionais. Segundo Marina, a concessão é um instrumento para ser usado quando há necessidade de construção de infraestrutura de visitação e depende da capacidade de investimento para garantir a oferta de serviços, além do valor de outorga. A ideia é explorar também outros mecanismos de parceria, como permissões, autorizações e acordos com organizações sociais, como ocorre hoje com os parques nacionais Cavernas do Peruaçu (MG) e Serra da Capivara (PI).

Marina afirma que a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara, por exemplo, que foi suspensa para receber sugestões do governo do Ceará, deve ser levada adiante por ter adesão da própria comunidade. Trata-se do terceiro maior do país em número de visitantes, com público de mais de 1,3 milhão de pessoas em 2019. O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, segundo ela, exige outro tipo de parceria, por incluir inúmeras comunidades tradicionais que dependem da área para viver.

— O modelo de concessão é uma das opções. Não é a única e não é adequado para parques pequenos — diz Marina.

O mais visitado do Brasil é o Parque Nacional da Tijuca (RJ), com quase 3 milhões de visitas por ano, que opera com duas concessões para a iniciativa privada — uma para a operação do bondinho que leva ao Cristo Redentor e outra para serviços de apoio.

O primeiro contrato de concessão firmado com a iniciativa privada foi feito em 1998 com o Parque Nacional do Iguaçu, o segundo mais procurado do país, com mais de dois milhões de visitantes por ano. O contrato venceu no ano passado e foi feita nova licitação, que prevê abertura de novas áreas de visitação, além das cataratas, hoje o principal chamariz.

Segundo estudo do BNDES, que passou a trabalhar em conjunto com o ICMBio na modelagem de contratos, em 2019, último ano antes da pandemia do coronavírus, a visitação em unidades de conservação federais bateu recorde e alcançou 15,3 milhões, 20,4% acima de 2018. O turismo de natureza, ecoturismo ou aventura é a segunda maior demanda dos visitantes internacionais, com 16,3% do total. Em primeiro lugar aparecem “praia e sol”, com 71,7%.

— O Brasil tem experiência e um histórico positivo de atuação da iniciativa privada, que segue as regras de preservação ambiental e ajuda a desenvolver os serviços turísticos. A grande questão é o modelo de contrato, que precisa ser técnico. Tirar da lista do PND não significa que o governo perdeu o interesse nas parcerias, até porque existem outras prioridades para os investimentos públicos — afirma a advogada Fabiane Tessari, coordenadora de biodiversidade e parques da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP)

Marina, do ICMBio, lembra ainda modelos de parceria de sucesso com entidades do terceiro setor, como o Parque Nacional da Serra da Capivara e o das Cavernas do Peruaçu (MG), com o Instituto Ekos, que abriu um fundo para angariar recursos e desenvolver o turismo local, inclusive com doação de grandes empresas 100% destinadas às atividades do parque.

— Cada parque tem um tipo de solução e a parceria com ONGS é também uma excelente alternativa — diz ela.

Desde que assumiu a concessão dos Parques Nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, região de cânions entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, há um ano e meio, a concessionária Urbia Cânions Verdes investiu em infraestrutura, segurança e serviços de alimentação. Em janeiro passado, instalou sobre o cânion Fortaleza, com paredões de até 800 metros de altura, um balanço infinito, que dá ao turista sensação de “voo livre”.

Mas a melhoria dos serviços e as opções dentro do parque, sozinhas, não são suficientes para alavancar o turismo.

Fabiano Souza, secretário de Turismo da cidade de Cambará do Sul (RS), uma das principais portas de entrada do parque, afirma que foi vendida na região a ideia de retorno econômico rápido, que não ocorreu. Segundo ele, as duas principais estradas de acesso ao parque pelo Rio Grande do Sul ainda são de pedra ou terra. Na chegada ao parque da Serra Geral, onde fica o cânion Fortaleza, o turista enfrenta 8 quilômetros de estrada de pedras. A rodovia estadual RS 427, caminho para quem segue de Porto Alegre até o parque, tem ainda um trecho de 12 quilômetros de terra na serra e a licitação para execução da obra está parada desde 1998 no Tribunal de Contas do estado.

— Muito do que foi pensado não aconteceu. Os processos não ocorrem do dia para a noite. Na época da concessão foi vendido um milagre econômico, mas as coisas são muito mais lentas do que pareciam ser, sem contar os problemas econômicos, como o preço dos combustíveis e a inflação, que deixam o turismo das famílias em segundo plano — diz ele.

Também no último governo foram feitas as concessões de duas Florestas Nacionais na região, a Flona de Canela e a de São Francisco de Paula. As duas são alvo de ações do Ministério Público Federal por abranger áreas que há décadas são reivindicadas por povos indígenas, que sofrem com a lentidão em estudos de regularização de suas terras tradicionais. Com isso, o processo está suspenso e o ICMBio deve voltar a discutir com os indígenas a situação nas duas áreas concessionadas.

Assinado em fevereiro de 2019, o contrato de concessão do Parque Nacional do Itatiaia, entre Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, acabou sendo descumprido e os investimentos não foram feitos, como melhorias na estrada de acesso e reforma do mirante. A concessionária, que não tinha experiência em gestão de unidades de conservação, alegou queda de receita devido ao fechamento do parque durante a pandemia do coronavírus. O parque acabou sendo assumido por outra empresa, a Parquetur, que arrematou em janeiro passado também o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT), que recebe mais de 170 mil visitantes por ano.

Fernando Pieroni, diretor do Instituto Semeia, que atuou como apoio do BNDES nos estudos de concessão, afirma que falta ao poder público recursos e flexibilidade para desenvolver o potencial turístico das unidades de conservação e que, nos últimos cinco anos, diversos governos estaduais optaram por transferir a gestão para a iniciativa privada.

— A parceria com a iniciativa privada é um caminho para oxigenar esses espaços. A iniciativa privada tem muito mais flexibilidade para inovar, adotar soluções criativas e tecnológicas — diz ele.

Pieroni afirma que, num primeiro momento, rever a lista de parques a serem concedidos pode gerar desconfiança entre os investidores, mas acredita que é prudente que, com a troca de governo, seja reavaliada a vocação de cada um deles. Ele lembra que a carência de recursos para gestão dos parques nacionais é histórica e que é preciso desenhar alternativas à gestão tradicional.

— A concessão não é o único modelo, mas o desafio é colocar em pé outras formas escaláveis de parceria com a iniciativa privada — diz.

Com informações de ‘O Globo’

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