camara dos deputados

Depois de dois anos e meio imersos na maior pandemia das últimas décadas — em que temas relacionados à ciência ganharam um destaque nunca antes visto — a expectativa entre os pesquisadores era a de que os candidatos à presidência tivessem mais propostas sobre como desenvolver esse setor no Brasil.

Na prática, porém, isso não aconteceu como imaginado: entre aqueles postulantes ao cargo que citam ciência, tecnologia e inovação nos planos de governo, as ideias são genéricas e pouco detalhadas, apontam as análises.

Além disso, entidades que representam e reúnem a área acadêmica, de pesquisa e de divulgação científica do Brasil foram pouco consultadas — ou até ignoradas — pelos postulantes ao principal cargo do poder executivo.

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“A ciência brasileira se encontra neste momento em uma situação extremamente preocupante de desmonte, e caberá ao próximo governo a sua recomposição estrutural e orçamentária, que devolva aos cientistas um ambiente propício para desenvolverem as pesquisas”, avalia o geneticista francês Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira.

Conheça a seguir algumas das ideias e análises das principais entidades e associações científicas do país — e como elas foram recepcionadas pelos candidatos à presidência.

Poucos detalhes

Em agosto, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) fez um levantamento sobre as propostas dos candidatos à presidência relacionadas à pesquisa e inovação.

A entidade admite que, dos 12 postulantes registrados à época no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dez possuíam ideias e projetos direcionados especificamente ao desenvolvimento científico do país.

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O professor Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, conta que durante o Encontro Anual da entidade, realizado em julho, foi feito um convite para que os três candidatos com maior intenção de votos — Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT) — participassem do evento.

“Lula e Ciro aceitaram e estiveram presentes. Bolsonaro não respondeu e, após insistirmos, recebemos uma mensagem que ele não iria”, relata. “Os dois candidatos que foram se comprometeram a assinar o ‘Projeto para um Brasil Novo’ elaborado pela SBPC”, complementa.

Ciência como política de Estado

A Academia Brasileira de Ciências (ABC), por sua vez, divulgou em junho uma carta aberta em que detalha algumas ideias para o futuro governo. “A prioridade é encarar a ciência como uma política de Estado, e não de governo”, resume a biomédica Helena B. Nader, presidente da ABC.

O documento, elaborado por mais de uma dezena de acadêmicos, sugere que ao menos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) seja investido na ciência nos próximos quatro anos, “como fazem nações bem-sucedidas”.

A entidade também vê como urgente a necessidade de formar mais mestres e doutores. A meta sugerida é ter, em dez anos, 2.000 pesquisadores a cada um milhão de habitantes. Atualmente, essa taxa está em 900 — valor inferior ao encontrado em outros países da América Latina. Entre as nações desenvolvidas, a proporção é de 4.000 cientistas a cada milhão de indivíduos.

A ABC também indica que conselheiros estratégicos em ciência, tecnologia e inovação auxiliem mais ativamente os três poderes — Legislativo, Judiciário e, principalmente, o Executivo — “para que políticas públicas sejam desenhadas com aporte do conhecimento sobre cada tema”.

A assessoria de comunicação da ABC afirmou que, após a divulgação do documento, houve um contato da chapa encabeçada por Lula e Geraldo Alckmin (PSB) e “foi realizada uma mesa de diálogo em julho com representantes da comunidade acadêmica para abordar as propostas”. “Desde então, não houve contato por parte de nenhuma outra coligação”, informam os responsáveis pela entidade.

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Inspiração que vem do passado

Os representantes ouvidos pela BBC News Brasil destacam que políticas científicas adotadas em décadas anteriores servem como exemplo do que é possível conquistar quando se investe na área.

“No início do século 20, tivemos o movimento sanitarista, cujo símbolo foi Oswaldo Cruz. Por meio dele, criamos toda uma política de vacinação e uma série de outras medidas que aumentaram consideravelmente a expectativa de vida da população brasileira”, cita Almeida.

O especialista também lembra de todo o investimento em pesquisas na área da agricultura — o trabalho da cientista Johanna Döbereiner sobre a fixação de nitrogênio no solo, por exemplo, permite que o país economize bilhões de dólares em plantações e seja uma das potências mundiais do agro.

“Não podemos nos esquecer da criação da Embraer, uma empresa de classe mundial que surgiu a partir do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)”, acrescenta Nader, que também é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“E foi o Brasil quem mostrou ao mundo que dava para retirar petróleo do pré-sal, quando todos diziam que isso era impossível”, completa.

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Uma bancada da ciência no Congresso

Ainda nessa seara, os representantes das entidades destacam a iniciativa de alguns cientistas, que resolveram deixar a bancada dos laboratórios e se candidataram a cargos de deputado federal ou estadual. Será que uma “bancada da ciência” no Legislativo ajudaria a fortalecer e estimular a pesquisa no país?

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Nader entende que ter esses profissionais no Congresso “vai enriquecer o debate, mas não soluciona todos os nossos problemas”. “Precisamos, porém, de diversidade no Legislativo. De certa maneira, ter representantes lá mostra como a ciência pode funcionar e auxiliar na discussão entre deputados e senadores”, acredita.

Qual o melhor caminho?

Questionados sobre o que fariam se tivessem o poder de determinar a política científica do presidente que estiver no cargo a partir de 2023, os representantes das entidades consultados pela BBC News Brasil parecem concordar em um aspecto: o investimento na pesquisa deveria ser uma política de Estado.

“Ciência e educação não podem continuar à mercê do governo da vez”, diz Nader. “Se não retomarmos os investimentos nessa área agora, e produzirmos uma verdadeira revolução na educação, o Brasil perderá gerações e o estrago será irreversível”, complementa a presidente da ABC.

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