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A origem do Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, é cercado de controvérsias: todos os anos, divulga-se a história das operárias grevistas de uma fábrica têxtil em Nova York, que teriam sido carbonizadas intencionalmente pelo patrão, dando origem à efeméride em 1957. Este crime hediondo, porém, é um pouco mais antigo e teria ocorrido em 1911.

Quem primeiro sugeriu a criação do Dia Internacional da Mulher foi Clara Zetkin, marxista e feminista alemã, na II Conferência Internacional das Mulheres em Copenhague, realizada na Dinamarca em 1910. Na ocasião, Clara propôs que trabalhadoras de todos os países organizassem um dia das mulheres, cujo primeiro objetivo seria promover o direito ao voto feminino. Logo depois, a reivindicação passou a inflamar feministas nos Estados Unidos e a ideia se alastrou.

Independente da versão que se queira, a verdade é que a história do Dia Internacional da Mulher, oficializado pela ONU somente na década de 1970, é marcada pela história da luta das mulheres – luta que nunca esteve desvinculada dos direitos básicos, como o voto feminino, a valorização do salário e a batalha eterna contra o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, entre outros.

Cada vez mais unidas, as mulheres se juntaram para reivindicar um lugar de sujeito na sociedade: uma vez que elas eram força de trabalho, também poderiam ser uma força de transformação social! Não foi por caminhos suaves que elas ocuparam espaços no meio acadêmico e nos institutos de pesquisa científica, para citar apenas dois exemplos. Hoje, embora os homens ainda estejam em maioria nos cargos de comando, estes ambientes contam com forte presença feminina.

É inegável a contribuição das mulheres à ciência. Cada vez mais, elas estão na linha de frente das grandes pesquisas e descobertas que mudam e melhoram a vida humana em todo o planeta. Ainda assim – e sem negar o reconhecimento profissional que muitas delas obtiveram –, a baixa representatividade das mulheres na carreira científica é uma realidade.

Segundo relatório da Unesco, apenas 1 em 4 cientistas era mulher em países desenvolvidos, como França e Alemanha, no ano de 2015. Nos países do chamado “terceiro mundo” a situação era pior e a exclusão feminina de certos espaços de conhecimento se impunha de forma mais agressiva. Já se passaram oito anos desde que este relatório foi divulgado e a realidade atual, embora melhor, continua longe do ideal: 28% das mulheres compõem o universo de pesquisadores no mundo.

Quando constatamos que as mulheres representam mais da metade dos formados na educação superior – compondo 53% dos graduados e mestres, e 43% dos doutores – uma contradição se revela: como explicar que as mulheres que se estabelecem na pesquisa científica não chegam a 30% no mundo? No Brasil, há poucos anos, apenas 15% dos reitores universitários eram mulheres. Nos institutos de pesquisa, o quadro de lideranças não é muito diferente.

No mercado de trabalho formal, as mulheres são maioria nos programas de estágio – quase 60% –, mas apenas 13% delas compõem quadros executivos. Por que isso ocorre? É devido a barreira invisível – o chamado “teto de vidro” – que as mulheres enfrentam a partir do momento em que vão em busca do crescimento profissional. Não há justificativas óbvias para essa diferença de oportunidades à frente das instituições de ensino e de pesquisa no Brasil, uma vez que as mulheres apresentam os mesmos requisitos técnicos do que os homens, mas avançam menos e tendo de enfrentar o estereótipo da “natureza feminina”, criado socialmente.

Simone de Beauvoir trabalha esse ponto em seu livro “O Segundo Sexo”. Como explica a filósofa, à mulher cabe o afeto, os humores intempestivos, a impulsividade e a fragilidade. Ao homem cabe a objetividade, a racionalidade e o equilíbrio emocional. Dessa forma, a ciência, marcada pelo modelo cartesiano e metódico (necessário para garantir o rigor que leva à excelência), historicamente expulsou mulheres por considera-las incapazes de atuar com as habilidades exigidas à uma pesquisadora.

Mesmo assim, apesar de mil barreiras impostas pelo preconceito e por uma visão distorcida da “natureza feminina”, inúmeras mulheres mudaram o mundo com suas descobertas científicas, como Marie Curie (1867-1934) e Alice Ball (1892-1916), duas das mais importantes cientistas de todos os tempos. Curiosamente – e pelo fato de serem mulheres – foram proibidas de divulgar em seus nomes as próprias descobertas.

Outro fator, fruto de estereótipos e difícil de ser desconstruído, é a tarefa do cuidar atribuída às mulheres. Se a elas é destinada a obrigação exclusiva de cuidar dos filhos, da casa e do marido, tal obrigação impõe a dupla jornada de trabalho, acarretando severos prejuízos a carreiras que dependem de longos períodos de concentração, estudo e dedicação. Quem há de negar que esta ainda é a realidade na maioria dos lares brasileiros? Quem diria que este traço patriarcal da sociedade não constitui um atraso para as mulheres na ciência?

Não por acaso, a Unesco reforça a importância de se dedicar atenção especial às meninas que se interessam pela pesquisa científica ainda na infância. É comprovado que atributos intelectuais são desenvolvidos nos primeiros anos de vida de qualquer ser humano. Uma educação que explore possibilidades com diferentes estímulos irá proporcionar às crianças o desenvolvimento de aptidões e interesses que serão expressos na adolescência e na fase adulta.

Segundo a psicóloga Natália Lins Brandão, a forma como historicamente meninas foram educadas para serem mães e esposas nada mais produziu do que “raízes profundas na educação de meninas que são condicionadas a um comportamento pouco exploratório, obediente e nada questionador”. Desse modo, “criar meninas curiosas e autônomas é um investimento no futuro da ciência”.

Se a sociedade reconhece a importância das mulheres no mercado de trabalho, é de suma importância que reconheça e combata a desigualdade a que elas estão submetidas neste ambiente. Sobre o caso específico das pesquisadoras, dizemos: o futuro da ciência passa pela mão das mulheres. Valorizá-las é proteger a humanidade.

Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC)

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