Confesso que a homenagem prestada a mim pela APIMESP (Associação dos Produtores e Industriais de Mandioca do Estado de São Paulo) e COOPERMOTA (Cooperativa Agrícola de Candido Mota) deixou-me muito honrado e orgulhoso. Foi um reconhecimento da classe produtora pelos conhecimentos e tecnologias geradas para a cadeia produtiva da mandioca, ao longo de 35 anos de trabalho. Todavia, é claro que essa homenagem tem tudo a ver com a Instituição a que represento, pois todos nós sabemos que, em ciência, ninguém faz nada sozinho.

Teria pouco a falar da homenagem em si, pois ela é fruto do sistema e do ambiente onde eu atuei e devo tudo aos que me antecederam e àqueles com quem compartilhei diariamente todos nossos avanços, conquistas e sofrimentos que, não foram poucos.

Aproveito sim, esse espaço que me concedem, não para pedir a volta ao passado, mas para dizer a todos que porventura leiam essas palavras, porque o que estão fazendo com os Institutos Públicos de Pesquisa do Estado de São Paulo se não é criminoso é, no mínimo, uma negação da ciência como promotora do bem-estar da humanidade.

O modelo de Instituição de pesquisa agrícola vigente em nossa época era bem ajustado e adequado para uma agricultura diversificada, como a nossa, composta por mais de 100 produtos diferentes. Era composto por duas áreas que se interagiam para permitir a elaboração de projetos completos e complexos com potencial para investigação em qualquer dimensão dos problemas que afetavam a produção agrícola. A área básica e a área aplicada, tudo em um só local. Ambiente perfeito para reuniões técnicas formais e informais frequentes e tão necessárias para a compreensão dos problemas e o desenvolvimento de novos caminhos, novas teorias e novas metodologias. Essa concentração além de propiciar o relacionamento entre os pesquisadores produzindo um efeito sinérgico e salutar, reduzia também o custo da administração da pesquisa.

O IAC chegou a ter mais de 800 projetos de pesquisa, distribuídos em mais de 40 programas, sendo desenvolvidos em todos os cantos do Estado, contando com o apoio local de 20 Estações Experimentais. A cada viagem que os pesquisadores faziam, via de regra, traziam informações do front e material para ser analisado nos diferentes laboratórios, acompanhados por pesquisadores experientes e técnicos competentes. Éramos 250 pesquisadores e um total de 3.000 funcionários (Instituto Agronômico de Campinas, Wikipédia). Além disso, completavam essa matriz, os Institutos de Tecnologia de Alimentos (ITAL), de Zootecnia (IZ), Biológico (IB) e de Economia Agrícola (IEA), todos reunidos na Coordenadoria da Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura.

Não havia uma atividade agrícola, por menor que fosse, que não tivesse um pesquisador atento e pronto para dar informações aos interessados. Éramos referência em tudo. Isso sim, enchia de orgulho um pesquisador do IAC e, com certeza, dos outros Institutos irmãos. E como dizia Ayrton Senna que, na Ferrari, ele poderia correr até de graça, nós do IAC, falávamos o mesmo: bancávamos a diferença de salário pela satisfação de aqui trabalhar. Não é à toa que o Brasil se tornou uma potência no agronegócio. Dispõe de vasto território propicio ao desenvolvimento da maioria das plantas cultivadas no mundo. Mas, mais que isso, detém uma tecnologia de alto nível conquistada, nesses últimos tempos, pelas Instituições Públicas de Pesquisa do Brasil. E o IAC é a pioneira de todas elas, criado pelo imperador Dom Pedro II, em 1887.

Em 2020, o PIB do Brasil foi de 7,45 trilhões de reais, sendo 2 trilhões originários do agronegócio, dos quais 68% da agricultura. A exportação do Agro passou de 100 bilhões de dólares. A EMBRAPA concluiu estudo que para cada real aplicado em pesquisa agrícola, há um retorno de 16 reais para o país.

O orçamento do Estado de São Paulo para 2022 é da ordem de 286,7 bilhões de reais, cabendo a a Secretaria da Agricultura e Abastecimento a ninharia de 0,41% desse montante. Se considerarmos que a maior parte desses recursos são destinados a programas de governo, para não dizer eleitoreiros, como Melhor Caminho, distribuição de maquinas e implementos as prefeituras, pouco sobra para as Instituições de pesquisa da pasta. É, no mínimo, ofensivo a mediana inteligência que um setor que gerou e gera tanta riqueza aos cofres públicos e tanto bem-estar a população paulista, seja tratado a pão e agua como se diz no jargão popular. E eu não desejo falar de nossa Secretaria que há muito vem sendo usada como moeda de troca política nesses últimos tempos muito longe, portanto, de ser prioridade de governo.

Mas, “nem só de Butantã vive o homem”. Espertamente, o governo de São Paulo redescobriu o Instituto centenário que, há muito tempo já dominava a produção de vacinas para diversas doenças e o utilizou nessa pandemia de SARS-CoV-2, sabiamente, mas também aproveitou para tirar dividendos políticos. Até acho que o governo nem sabia de sua existência se não fosse a pandemia.

Quem sabe, os holofotes sobre o Instituto Butantã, não reflita sobre os outros 16 Institutos moribundos do Estado de São Paulo e lhes confira o status de prioridade de governo ou, pelo menos, serem lembrados pelos novos postulantes ao Palácio dos Bandeirantes, agora em 2022.

Menosprezar a medicina brasileira, nem pensar. Quem não reconhece seus grandes feitos que, para ficar só no Brasil, é só lembrar de alguns nomes como Osvaldo Cruz (pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil) que nasceu em São Luiz do Paraitinga e, por isso, a rodovia que liga Taubaté a Ubatuba (por onde sempre passo), recebe seu nome. Vital Brasil, criador do Instituto Butantã, de seus estudos sobre a peste bubônica, malária e do soro antiofídico. Carlos Chagas, amigo de Osvaldo Cruz, o primeiro cientista na história da medicina a descrever completamente uma doença infecciosa: o patógeno, o vetor, os hospedeiros, as manifestações clínicas e a epidemiologia. Homenageou seu amigo em Trypanosoma cruzi. E por aí vai Adolfo Lutz, Emilio Ribas et cetera. Só esse quinteto de médicos sanitaristas brasileiros do fim do século XIX e início do século XX, nos enchem de orgulho e nos dá esperanças que a ciencia brasileira está entre as melhores do mundo.

De epidemia para pandemia a diferença é só de abrangência. Os prejuízos locais são invariavelmente devastadores. Na área vegetal também passamos por epidemias, mas que já não são mais lembradas, talvez porque elas foram controladas e, por quem? Sim, pelos esforços e competência dos IPs. Mas outras epidemias virão e aí como será com os Institutos em franca decadência, à beira da extinção? Está aí mais um argumento para manter vivo esses Institutos porque a falta de alimentos também mata.

Arrisco-me a dizer que não precisamos só correr atrás de maior produtividade, basta manter a produtividade e a qualidade atual o que já exigirá um grande esforço pois tudo evolui, inclusive as pragas e doenças, e o melhoramento genético é a principal arma que dispomos par manter esse equilíbrio tão frágil. Sem falar nas mudanças climáticas que exigirão esforço adicional de desenvolvimento de materiais genéticos adaptados as novas situações. Significa dizer que o melhoramento genético tem de ser dinâmico e que precisa de pesquisadores qualificados em full time, que saibam o que procuram, além de todo o ferramental necessário para sua realização.

É importante o tempo, pois os novos materiais têm de ser testados temporal e espacialmente contra os fatores bióticos e abióticos. Não dá para improvisar quando o desastre ocorrer. Como exemplo, na antiga Seção de Raízes e Tubérculos, nossa equipe manipulou cerca de 1 milhão de seedlings de mandioca em 20 anos e obtivemos 3 novas variedades que hoje são amplamente cultivadas, gerando benefícios incalculáveis para toda a sociedade. Resultados similares e, ainda, mais espetaculares foram obtidos para quase todas as outras culturas como café, cana, feijão, etc

Para ilustrar vou listar, de memória, algumas das grandes conquistas da pesquisa agrícola em nosso território:

Ferrugem do café. Prometia dizimar com a cafeicultura brasileira. O IAC já trabalhava com essa hipótese muito antes dela ser introduzida no país. E quando isso ocorreu nós já sabíamos controlar a doença e já tínhamos até linhagens resistentes. E o Brasil continua sendo o maior produtor mundial de café.

Vaca louca. Prometia outra catástrofe. Resolvemos com manejo adequado do rebanho e o Brasil é hoje o maior player do mercado mundial de carnes.

Bicudo do algodão. Seria o fim da cotonicultura brasileira. Tiramos de letra. Hoje exportamos para muitos países, inclusive para o Egito e China, berços históricos da produção de fibras e de algodão.

Ferrugem asiática da soja. Dessa vez o agronegócio do Brasil não escaparia. Resultado, estamos na iminência de ultrapassar os EUA e se transformar no maior produtor mundial de soja.

Vassoura de bruxa. Adeus a cacauicultura do Brasil. Ficaríamos privados do alimento dos deuses (Theobroma). Que nada, somos um dos maiores produtores mundiais.

E por aí vai. Nem vou falar sobre as previsões catastróficas para as viroses da mandioca, especialmente por um vírus causador do mosaico africano que dizimou milhares de pessoas na África pela fome. Mas o IAC estava alerta.
Poderia citar outros tantos casos relevantes como a tristeza dos citros que dizimou os pomares paulistas na década de 50 e o Mal-das-folhas da seringueira. Hoje, São Paulo é líder tanto na Citricultura como na Heveicultura.

Caramba, o agronegócio brasileiro é de fazer inveja a qualquer país. Não só somos autossuficientes em alimentos como garantimos comida para um monte de gente desse mundo afora, quase ¼ da população mundial. Esse boom ocorreu em nossa geração e eu não abro mão de minha parte nem que seja um fio de cabelo desta vasta cabeleira.

Tudo isso com uma ciência agrícola simples que exigiu e exige poucos investimentos, sem dizer dos vis salários que são pagos aos abnegados pesquisadores da área.

Só não entendem a importância da ciência os ignorantes ou mal intencionados e os governantes míopes, despreparados e ou mal assessorados. Será que não percebem que a destruição dos centros de saber, como acontece nos dias de hoje com todos os IPs, desviando recursos para outras atividades, mesmo não sendo mesquinhas, comprometem o bem-estar e o futuro de toda a nação? Pois, com isso, impedem o surgimento das grandes lideranças cientificas tão necessárias na atualidade.

Salve os gloriosos Institutos de Pesquisa de São Paulo, especialmente o IAC, criado por D. Pedro II, homem culto, politico de estatura grandiosa, de aguçada visão de futuro e que o povo brasileiro jamais o reverenciou a sua altura.

Mas como dizia Cicero, no parlamento romano: quousque tandem abutere patientia nostra! Ou o filósofo da esquina: não tenha medo do caminho, tenha medo de não caminhar porque o homem morre não quando o coração deixa de bater, mas quando deixa de ser importante.

Sem intenção de ofender ninguém.

José Osmar Lorenzi, ex-chefe da Seção de Raízes e Tubérculos e ex-Diretor de Ação Regional do IAC e Engenheiro Agrônomo Pesquisador VI, M.S. Aposentado.

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