alba lavras

A pesquisadora Dra. Alba de Campos Lavras, ex-diretora do Instituto Butantan, faleceu no último dia 29 de janeiro. Em outubro do ano passado, na ocasião de seu aniversário de 93 anos, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) a entrevistou para falar sobre sua trajetória e seu papel determinante na criação da carreira de pesquisador. Em sua memória, republicamos a entrevista.

 

Aos 93 anos, Dra. Alba Lavras segue firme na luta em defesa da ciência brasileira

Nem todos sabem que a Medalha Alba Lavras, maior honraria concedida pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) aos profissionais que se destacam por sua contribuição à ciência, leva o nome de uma das maiores pesquisadoras vivas do Brasil: a Dra. Alba Apparecida de Campos Lavras, ex-diretora do Instituto Butantan cuja luta foi decisiva para o reconhecimento e consolidação da carreira de pesquisador científico no País.

Aos 93 anos ela continua lúcida e se diz preocupada com a atual situação dos institutos de pesquisa, com os rumos da ciência brasileira e com a forma como os governos têm lidado com a pandemia do novo coronavírus, que até o momento já matou mais de 250 mil brasileiros. Confira abaixo a entrevista que a Dra. Alba Lavras concedeu ao jornalista Bruno Ribeiro, da APqC, no dia 13 de fevereiro deste ano.

Como ex-diretora do Butantan, como a senhora avalia o papel desempenhado pelo instituto ao longo da pandemia?
Penso que o Butantan está, mais uma vez, cumprindo um importantíssimo papel na produção de vacinas, dessa vez para enfrentamento da Covid-19, respondendo, com extrema competência e responsabilidade, aos anseios de toda a população brasileira. Lembro que isso só foi possível por conta de todo o investimento institucional ocorrido ao longo de sua história de mais de 100 anos, voltado ao desenvolvimento cientifico e tecnológico.

Como a senhora vê o negacionismo de alguns setores da sociedade, inclusive da Presidência da República, e o aumento dos movimentos antivacina? O quanto isso impacta no trabalho dos cientistas?
Lamento. As práticas negacionistas devem sempre ser combatidas. Mas acredito que os cientistas, tanto por convicção como por formação, nunca se submetem a essas posturas.

Qual a sua análise sobre a queda de recursos destinados à Ciência por parte do governo federal e as reiteradas tentativas, por parte do governo estadual, de privatizar ou extinguir autarquias e institutos públicos de pesquisa? Qual é o futuro que nos aguarda?
Durante toda minha vida profissional, pude conviver com inúmeras ameaças dessa natureza. Convivemos com governantes ora mais, ora menos esclarecidos, em relação ao papel da ciência em uma sociedade. A produção científica exige investimentos de longo prazo, mas por outro lado, se traduz numa garantia para o desenvolvimento das sociedades em vários campos. Sem dúvida que a descontinuidade nas politicas de desenvolvimento cientifico, o sub financiamento a que estamos, historicamente, submetidos e, os riscos de privatização sem controle público, são questões que devem ser ainda enfrentadas e muito discutidas pela sociedade brasileira. E aqui, volto a fazer um destaque para os Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo, muitos deles centenários, que cumpriram e continuam cumprindo seu papel de produtores de conhecimento e de disseminadores de tecnologia, de forma muito importante ao longo de nossa história e até os dias de hoje. É preciso que se reconheça que esses Institutos, com todas as dificuldades relacionadas a seu desenvolvimento institucional que tiveram que enfrentar, nunca falharam em responder as necessidades de nossa sociedade e estão mais uma vez a exigir uma política clara de incentivo a seu desenvolvimento.

As lutas que a senhora empreendeu no passado em defesa da ciência são as mesmas de hoje? No que elas se assemelham e se diferenciam?
Claro que não, pois cada momento tem suas características. Mas a luta tem que ser contínua, principalmente num país como o nosso, que ainda não superou mazelas sociais importantes no que diz respeito a desigualdade e, cuja valorização da ciência não é homogênea nos vários segmentos da sociedade. Muitos lutaram para erguer essas instituições e para fazer com que a sociedade naquele momento entendesse a importância dessa criação. Seria muito difícil enumerar todas as lutas que tiveram que ser travadas em defesa da ciência e de suas instituições no Brasil e, em particular no estado de São Paulo. Mas posso dizer que, ao lado de um excelente e comprometido grupo de pesquisadores das mais diversas áreas de nosso estado, tive o privilégio de participar de uma dessas lutas, que ao final de alguns anos foi vitoriosa, com a criação e a implantação das carreiras do Pesquisador Cientifico e do pessoal de Apoio a Pesquisa em todos os Institutos de Pesquisa de nosso estado. Não acompanho de perto a problemática vivida por esses Institutos, hoje. Mas sei que ainda lutam para sobreviver em condições dignas e apropriadas, embora, a exemplo do que nesse momento está sendo demonstrado pelo Instituto Butantan, todos contribuem na sua área específica, de forma muito significativa para o desenvolvimento de nosso estado e de nosso país.

Qual o recado que a senhora daria para os pesquisadores que ainda estão na ativa e se sentem inseguros quanto ao futuro de suas carreiras?
Mesmo estando longe do cotidiano de trabalho dessa nova geração de pesquisadores, mas sabendo que no Brasil a atividade cientifica e o exercício dessa profissão, ainda carecem de reconhecimento público, meu recado seria: não desistam! Carreira do ponto de vista jurídico-administrativo, é um porto relativamente, seguro, mas a sobrevivência das instituições e o aporte de contribuições para o desenvolvimento do país, dependem de vocês. Defendam as suas atividades de investigação, defendam as suas instituições, defendam a Ciência!

Quem é Alba Lavras?

Alba Apparecida de Campos Lavras nasceu em Ipauçu (SP), em 26 de outubro de 1927, mas mudou-se para São Paulo em 1939, para estudar. Sua mãe, Adalgisa Cavezzale, morreu muito jovem, em 1941, deixando cinco filhos aos cuidados exclusivos do marido, Francisco de Campos. Após a perda da mãe, Alba tem de crescer antes da hora e começa a dar aulas em um curso de admissão ao ginásico, no Colégio Paulistano, onde ela própria estudava.
Em 1946 ingressa na Escola Paulista de Medicina e passa a dar aulas preparatórias para o vestibular. Dois anos depois, paralelamente à Medicina, faz um curso de Bioestatística com o prof. Adolpho Martins Penha, no Instituto Biológico.

No Instituto Butantan, onde ingressa mais tarde, dedica-se à investigação científica, apresentando os resultados obtidos em conclaves científicos, nacionais e internacionais, e publicando-os em revistas especializadas dentro e fora do País. No renomado instituto ocupa o cargo de médica (1954-1977) e de pesquisadora Científica (1977-1997). Nesses cargos, juntamente com a investigação científica, exerce funções administrativas e tem participação direta em associações, sociedades e conclaves científicos.

Ao longo de toda sua carreira, participa de inúmeras bancas examinadoras e da coordenação de concursos para seleção de estagiários e captação de recursos humanos para pesquisa e apoio à pesquisa no Instituto Butantan. Ao proferir palestras para a divulgação da ciência, sempre expressava sua convicção de que cabe a todo profissional, principalmente aos de um país subdesenvolvido (ou em desenvolvimento), não apenas fazer bem o seu trabalho e aprimorar a sua capacitação, mas principalmente lutar pela conquista de melhores condições de trabalho e formação.

A Dra. Alba Lavras foi ainda Membro da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI) e sua presidente (1976-1980). Vale lembrar, que Alba, José Reis e Bernardo Goldman foram os bravos e aguerridos “patronos” da carreira de Pesquisador Científico. Sua trajetória profissional, aliás, ficou marcada não só pela criação da carreira de Pesquisador Científico, mas também da carreira de Assistente Técnico de Pesquisa Científica e Tecnológica e da carreira de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica.

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