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No dia 26 de setembro, o dia se fez noite em Franca, Ribeirão Preto e outras cidades do interior de São Paulo e Minas Gerais. Nuvens de poeira semelhantes às lendárias tempestades do deserto subindo no horizonte e assustando os moradores. Meteorologistas explicaram posteriormente que o fenômeno, raro no Brasil, ocorreu pela conjunção da forte estiagem e altas temperaturas na região, com a chegada de uma frente fria que trouxe ventos vigorosos.

Indicadoras da ocorrência de solos extremamente secos e umidade relativa do ar muito baixa, resultantes de uma das mais significativas crises hídricas desde a grande seca de 2014-2015, as gigantescas nuvens de poeira não se constituíram, entretanto, episódio isolado em termos de eventos climáticos extremos no estado de São Paulo e em grande parte da Região Sudeste em 2021. Geadas intensas foram igualmente registradas no mês de julho, em boa parte do território paulista.

As duas manifestações climáticas extremas, crise hídrica pronunciada e fortes geadas, afetaram boa parte da agricultura em São Paulo, com grandes prejuízos para a economia do estado e sobretudo para muitos produtores rurais. De acordo com especialistas de vários institutos de pesquisa sediados em São Paulo, e também gestores de órgãos públicos, esses eventos ocorridos em 2021 são sinalizadores de que o agronegócio paulista deve se preparar de modo mais apropriado para os impactos das mudanças climáticas em curso, incluindo a forte possibilidade de seca ainda mais intensa em 2022.

“Mais do que nunca chegou o momento de maior utilização, nas culturas de sequeiro ou naquelas irrigadas, de tecnologias apropriadas e já disponíveis para o uso mais racional da água, considerando que em condições de escassez cada vez mais frequentes têm ocorrido frustrações em safras agrícolas, podendo levar a situações em que agricultores não conseguirão mais produzir”, alerta Regina Célia de Matos Pires, pesquisadora do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

Também pesquisador do IAC, Gabriel Blain tem conduzido estudos apontando para a mudança no padrão de chuvas desde o início do século 21. “Nos últimos dez anos, o número de anos secos tem sido muito acima do esperado e registrado para o estado de São Paulo. Como exemplo, podemos citar que, neste ano, desde janeiro até meados de outubro o volume de chuvas foi climatologicamente abaixo do normal em todas as regiões produtoras de café no estado”, adverte o pesquisador.

“Na região noroeste de São Paulo, especificamente, temos uma situação de seca extrema excepcional, muito prejudicial para a agricultura. E nesse ano tivemos a combinação da seca com geadas entre junho e julho, agravando a situação”, lembra Blain. Ele nota que a associação da seca com a geada produziu muita matéria orgânica, o que contribuiu para elevado número de incêndios, também prejudicando culturas agrícolas. De fato, de acordo com o monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no mês de agosto de 2021 foi registrado o segundo maior número de focos de queimadas em São Paulo desde o início do levantamento, em 1998. Foram 2277 focos, abaixo somente dos 2444 focos de agosto de 2010.

Na opinião do pesquisador do IAC, o cenário para 2022 não é muito promissor.

“Há um déficit de chuvas acumulado há muito tempo e mesmo que tenhamos no verão chuvas um pouco acima do normal será difícil uma completa e rápida reposição. O quadro geral é extremamente complicado, muito preocupante”, alerta Blain, que é editor-chefe da “Bragantia”, revista científica do Instituto Agronômico de Campinas.

A GRAVIDADE DA CRISE HÍDRICA EM SÃO PAULO

Foram vários os fatos confirmando a gravidade da crise hídrica no estado de São Paulo e em boa parte da Região Sudeste em 2021, o que reforça a urgência de medidas preventivas por parte do setor agrícola para os próximos anos. Particularmente emblemática foi a edição, a 1º de junho, da Resolução Nº 77 da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), declarando situação crítica de escassez quantitativa dos recursos hídricos na Região Hidrográfica do Paraná, que abrange os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal.

Pela Resolução, e visando assegurar os usos múltiplos da água, previstos na legislação brasileira, a ANA passou a poder definir “condições transitórias para a operação de reservatórios ou sistemas hídricos específicos, inclusive alterando temporariamente condições definidas em outorgas de direito de uso de recursos hídricos”. Ou seja, mesmo as outorgas concedidas, a órgãos governamentais ou empresas privadas, para o uso de água poderiam ser temporariamente modificadas, até 30 de novembro de 2021. Medidas restritivas poderiam ser então adotadas, para evitar o colapso no abastecimento de água que, pela legislação do país, deve ser prioritariamente para consumo humano e dessedentação animal. A Resolução também criou o Grupo Técnico de Acompanhamento da Região Hidrográfica do Paraná (GTA RH Paraná), para monitorar a situação e sugerir medidas apropriadas.

Outro agudo indicador da crise hídrica, afetando a região de maior concentração populacional do país, foi a queda brusca dos reservatórios que alimentam a geração de energia elétrica, o que levou ao temor de apagões como os de 2000 a 2002, período em que houve racionamento no consumo de eletricidade.  Segundo informou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a 22 de outubro, na 12ª Reunião do GTA RH Paraná, os reservatórios do Subsistema Sudeste/Centro-Oeste estavam com 17,5% da capacidade de armazenamento no dia 20 de outubro, o que representava a pior posição alcançada no histórico do Subsistema. Na mesma data em 2020, os reservatórios do Subsistema registraram 26,3% da capacidade de armazenamento. Em função do baixíssimo nível dos reservatórios do SE/CO, o Sistema Integrado Nacional (SIN) como um todo tinha em 20 de outubro 24,4% de sua capacidade, o terceiro pior resultado da história na mesma data.

A situação especialmente crítica do estado de São Paulo foi detectada pelo Monitor de Secas gerenciado pela ANA. De acordo com o Monitor, em setembro de 2021 pela primeira vez todos os 21 estados monitorados apresentaram condições de seca. O estado de São Paulo, de acordo com o Monitor, registrou em setembro de 2021 o maior percentual (21%) de seca “excepcional” entre os 21 estados monitorados. “Excepcional” é o mais alto grau de severidade de seca pelos critérios do Monitor. O número indica que 21% do território paulista estavam nessa condição em setembro. Segundo os mesmos critérios, 86% do território paulista apresentaram em setembro situação de seca grave, extrema ou excepcional, a maior proporção entre os 21 estados pesquisados.

As condições particularmente críticas em São Paulo, em termos de recursos hídricos, levaram a iniciativas como o lançamento do Movimento PCJ, concebido pelos Comitês de Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que abrange 72 municípios da região de Campinas e mais quatro do Sul de Minas Gerais. O Movimento foi idealizado para promover um amplo diálogo, com todos os setores usuários da água, pelo uso mais eficiente dos recursos hídricos, sendo evidente a preocupação com um possível agravamento do cenário já em 2022.

“A pergunta certa não é mais se a água vai faltar. É quando ela vai faltar. Já estamos vivenciando a falta de chuvas e, infelizmente, para o ano que vem a nossa expectativa não é boa”, alertou o prefeito de Piracicaba e presidente dos Comitês PCJ, Luciano Almeida, no lançamento do Movimento PCJ, a 21 de setembro.

“As expectativas não boas para esse ano e infelizmente para o ano que vem a expectativa não é boa. Já estamos vendo em nossa região alguns municípios com racionamento. Se não vier regime de chuvas importante neste verão vamos ter problemas sérios no abastecimento no ano que vem. Diante deste cenário não tão agradável, estamos buscando alternativas para evitar falta água nesse momento do estresse hídrico e se não houver uso racional, com a colaboração de todos, vai faltar água”, completou o prefeito.

Segundo os Comitês PCJ informaram na ocasião, em setembro de 2021 a vazão na sub-bacia do rio Piracicaba foi de 17,6 metros cúbicos por segundo, pouco acima dos 17,3 m3/s de setembro de 2014, quando foi registrada a seca mais intensa dos últimos tempos. A vazão nas bacias dos rios Jaguari e Jundiaí em setembro de 2021, de 2,3 e 3,2 metros cúbicos por segundo, respectivamente, foram ainda menores do que as vazões no mesmo mês em 2014: 3,7 m3/s no rio Jaguari e 4,7 m3/s no rio Jundiaí. Assim, as expectativas de gestores e pesquisadores são de possível agravamento das condições hídricas em 2022, com impactos ainda maiores na agricultura do que os verificados em 2021.

Outra medida dos Comitês PCJ foi a reativação do Grupo de Trabalho Estiagem, que tinha sido interrompido após a crise provocada pela grande seca de 2014-2015. Por ocasião do lançamento do Movimento PCJ, o diretor-presidente da Agência PCJ, Sergio Razera, comentou a importância da reativação do GT-Estiagem, no cenário da crise hídrica de 2021: “A exemplo do que aconteceu em 2014, na crise anterior, os usuários de água iam ao rio e retiravam a sua quota, ou seja, aquilo que eles tinham de autorização. Se eu tenho outorga para 10m³/s eu retiro 10m³/s. Se eu tenho outorga para 50m³/s, que quero retirar 50m³/s. Seu eu tenho outorga para 100m³/s eu quero 100m³/s. E o que aconteceu foi que muita gente ficou sem água. Então, um dos papeis do GT Estiagem é justamente organizar isso e tentar fazer com que a crise, infelizmente com seus prejuízos, com as suas perdas, a gente precisa que isso seja igual, equânime. Este é um dos papeis do GT-Estiagem: trazer informações e ao mesmo tempo organizar os usuários no sentido de fazer com que cada um use parcimoniosamente a água que está lá disponível. É pouca, mas tem que ser bem distribuída a todos”.

IMPACTOS DE EVENTOS CLIMÁTICOS NA AGRICULTURA PAULISTA

“É muito triste, produtor trabalhando a vida toda e perdendo quase tudo em um dia”. O desabafo é de Ademar  Pereira, produtor de café e presidente do Sindicato Rural de Caconde, no interior de São Paulo, referindo-se às fortes geadas que caíram no município e em grande parte do território paulista em julho. “O município tem 13 mil hectares de cafezais e cerca de 2.000 hectares ficaram torrados, com a geada chegando a altitudes que onde antes não atingia”, completa Pereira, que diz ter perdido, ele mesmo, cerca de oito hectares com as geadas.

Mas Ademar Pereira, que também é presidente da Câmara Setorial do Café do estado de São Paulo, logo nota que “outro grande problema na realidade tem sido a seca extrema, que prejudicou muito o ciclo normal de desenvolvimento dos cafeeiros”. Como resultado da estiagem prolongada, o produtor estima em aproximadamente 25% as perdas da safra 2020-2021, podendo ser ainda maior que isso para a próxima safra, se não não chover em volume apropriado nos próximos meses. “Situação muito complicada para o agricultor, que também viu o custo de produção crescer demais”, resume Pereira, citando o caso do preço da tonelada de adubo saltar em um ano de cerca de R$ 1.500,00 para R$ 4.000,00, aproximadamente.

Assim, Caconde é um claro exemplo dos efeitos climáticos extremos associados para a agricultura paulista e em grande parte do Centro-Sul nos últimos dois anos. De fato, muitas culturas em território paulista foram impactadas por eventos climáticos extremos em 2021. O Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, identificou prejuízos nas culturas de cana-de-açúcar, milho e café, entre outras. Como observaram os pesquisadores do IEA, Celso Luís Rodrigues Vegro e Vagner Azarias Martins, o período compreendido entre o segundo semestre de 2020 até os nove primeiros meses de 2021 foi marcado por longa estiagem, “com déficit hídrico superior a 200 mm nos principais cinturões agrícolas paulistas”.

Além disso, entre os meses de junho e julho, “três fortes ondas de massas polares, ocasionando geadas, também atingiram o território paulista, afetando boa parte da produção de diversas lavouras”, acrescentaram os pesquisadores, no estudo ‘Estimativa de Impacto Econômico nas Lavouras Paulistas de Café Afetadas por Estiagem Prolongada Seguida de Geadas, 2021″, publicado a 26 de outubro.

Com base em levantamentos feitos pela Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS/CATI), os pesquisadores do IER estimaram que houve perdas de 36,02% na área plantada com café em São Paulo, de 209 mil hectares. Foi de 72 mil hectares a área afetada, nas regiões produtoras de Franca, São João da Boa Vista, Marília, Ourinhos, Bragança Paulista e Jaú, entre outras.

“Associado a esse evento climático e às perdas dele decorrentes, soma-se período de estiagem (escassez de precipitações e elevadas temperaturas médias), que se pronunciou a partir de março de 2021, refletindo-se no preço recebido pelos produtores e, consequentemente, nos consumidores finais”, salientaram Vegro e Martins.

Ainda como efeitos das geadas, sobretudo nas ocorrências de 29 a 31 de julho, foram verificadas “perdas de aproximadamente 60% no milho safrinha, com comprometimento de grande parte das lavouras devido ao plantio tardio, o que já se sente no preço de comercialização, que já se encontra em mais de R$100 a saca, com tendência de aumento devido aos efeitos acumulados”. Foi o que evidenciou o boletim “Geada no Estado de São Paulo“, publicado em agosto em parceria entre Fundação e Apoio à Pesquisa Agrícola (Fundag), CDRS/CATI, Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), IAC e Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO).

Também conforme o boletim, “as regiões de bananicultura foram fortemente impactadas com perdas da ordem de 70% de bananeiras em cacho e influência a longo prazo, de 12 a 18 meses, em bananeiras a produzir. Em áreas produtoras de mandioca, com plantas estabelecidas já podadas, os efeitos puderam ser reduzidos, diferentemente de áreas com plantas novas, nas quais houve muita queima, com perdas chegando a ordem de 80%”.

Representante das usinas paulistas, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) estimou que os eventos climáticos extremos provocaram uma redução na projeções da safra no centro-sul, de 605 milhões de toneladas para 520 milhões de toneladas. A queda na safra em São Paulo foi de 55 milhões de toneladas. Uma das consequências foi que em outubro 150 usinas do centro-sul já haviam parado a produção, sendo 70% no estado de São Paulo.

USO RACIONAL DE ÁGUA E DE TECNOLOGIAS APROPRIADAS PARA ENFRENTAR A SECA

São Paulo tem 2,4 milhões de hectares de agricultura irrigada, representando quase um terço dos 8,2 milhões de hectares irrigados no Brasil e quase 10% da extensão territorial do estado. Os dados são do Atlas da Irrigação, lançado no início de 2021 pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA). A fertirrigação na cultura da cana-de-açúcar representa 82% da irrigação em território paulista, na região de Ribeirão Preto.

A importante utilização da irrigação é um indicador do emprego de tecnologias para o uso mais racional de água no estado, mas os especialistas acreditam que é possível e recomendável ampliar ainda mais a implementação de alternativas tecnológicas existentes, diante do enorme desafio representado pelos impactos das mudanças climáticas na agricultura paulista, e em particular no caso de estiagens prolongadas.

“Realmente estão ocorrendo eventos climáticos extremos mais frequentes e uma das ações possíveis é o amplo leque de tecnologias já comprovadas”, observa Regina Célia de Matos Pires, pesquisadora do IAC.

Ela nota que em algumas culturas agrícolas a demanda por água ocorre justamente na época em que as estiagens são mais frequentes, entre abril e agosto ou setembro.

Uma das alternativas tecnológicas existentes, destaca a pesquisadora, é o uso pelo agricultor de materiais genéticos mais adequados à sua área de plantio, considerando as suas condições hídricas, morfológicas, químicas e físicas. Assim, é fundamental a escolha da variedade mais adequada ao ambiente local. O próprio Instituto Agronômico de Campinas tem um histórico de intensivo de desenvolvimento de novas variedades de diversos produtos agrícolas.

Recentemente, o IAC lançou duas novas variedades de cana-de-açúcar, a IACSP01-5503 e a IACSP01-3127, que apresentam perfis distintos mas ambas com alto desempenho. A IACSP01-5503 é indicada para as regiões de Cerrado, caracterizadas por menor fertilidade natural e capacidade de armazenamento de água. Por sua vez, a IACSP01-3127, mais responsiva, é apropriada para ambientes com melhor distribuição de chuvas.

Regina Célia de Matos Pires lembra que também existem várias técnicas que favorecem a retenção de água, em culturas de sequeiro, de modo que as plantas possam completar o seu ciclo produtivo. Nas culturas irrigadas, completa, é possível utilizar técnicas da chamada irrigação deficitária,”quando é aplicada uma quantidade menor do que a demandada pela planta naquele estágio de desenvolvimento e ainda sim ela reporta boa produtividade”.

Mais uma alternativa citada pela especialista é o uso de águas residuárias, dependendo do que diz a legislação para evitar contaminações. No quadro de escassez de recursos hídricos, ela acredita que o uso de águas residuárias é uma tendência considerável.

Tecnologias mais avançadas também estão em estudo, salienta Regina. Ela mesma participa de um projeto em curso na região de Ribeirão Preto, utilizando Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTS), equipados com câmeras termográficas e multiespectrais, para monitorar de forma remota a disponibilidade de água em grandes extensões de plantio de cana-de-açúcar e citros.

Regina e outros pesquisadores interpretam as imagens captadas, para avaliar o estado hídrico da planta. Correlacionando com indicadores como os dados diários de clima, ela afirma que é possível identificar medidas de manejo adequado, que podem inclusive economizar a irrigação ao longo do ciclo produtivo da planta, sem a necessidade de uso de sensores in loco.

De qualquer modo, a pesquisadora do IAC acredita que é fundamental a intensificação do uso das alternativas tecnológicas existentes, diante dos cenários de estresse hídrico cada vez mais acentuados e frequentes. “O IAC procura uma atuação muito próxima do sistema produtivo, para ajudar a identificar os gargalos e a buscar as melhores soluções”, complementa.

Também pesquisador do IAC, Gabriel Blain entende que o enfrentamento do cenário criado por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, e sobretudo no caso de secas prolongadas, passa por um conjunto de medidas. “A alternativa é investir em tecnologia, no uso racional da água, em técnicas apropriadas de irrigação e utilizar espécies mais resistentes à seca. E sempre que possível poupar o recurso água, os recursos naturais. É o que pode ser feito”, resume.

Na sua opinião, os agricultores têm feito a sua parte, mas nota que algumas soluções “dependem de ações nacionais, pois a atmosfera não conhece fronteiras”. Neste sentido,  considera que “a sociedade como um todo precisa estar mais atenta” à maior frequência de eventos climáticos extremos, o que na sua avaliação “não vem sendo feito de forma satisfatória”, citando o caso do desmatamento na Amazônia e seus efeitos no regime de chuvas no estado de São Paulo e em toda Região Sudeste, como tem sido demonstrado em vários estudos científicos.

De qualquer modo, Blain entende que as perspectivas dos efeitos dos eventos climáticos extremos na agricultura são “muito  preocupantes”. “Mesmo no caso da agricultura irrigada, uma alternativa tecnológica para contornar a seca, o baixo nível os reservatórios pode ser um grande limitador”, adverte o pesquisador do IAC.

Outras alternativas tecnológicas, particularmente em termos de prevenção da seca, são sugeridas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). É o caso da cisterna para captação de água da chuva.  O documento “Captação de água de chuva e armazenamento em cisterna para uso na produção animal”, assinado pelo pesquisador Julio Palhares, da Embrapa Pecuária Sudeste, contém muita informação sobre como a cisterna pode ser utilizada e como deve ser sua manutenção para um ótimo aproveitamento.

PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS É CAMINHO PARA PROTEGER MANANCIAIS

Uma política pública que tem avançado, no contexto dos desafios provocados pelos eventos climáticos extremos, é o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).  O conceito básico do PSA é o de que a proteção de recursos naturais, como as matas ciliares que protegem os mananciais de água, deve ser remunerada de alguma forma.

O uso de instrumentos de PSA, para a proteção especificamente de nascentes de água, ficou popularizado em razão do sucesso de ações implementadas no município de Extrema, no sul de Minas Gerais, integrante da bacia do rio Piracicaba. Implantado em 2005, o Programa Conservador das Águas, como a política de PSA em Extrema é conhecida, já resultou em mais de 200 contratos firmados com produtores rurais para a proteção das nascentes, resultando no plantio de mais de 1,3 milhão de mudas de árvores nativas, com impacto, portanto, também na proteção da biodiversidade. Em função do êxito do programa de PSA de Extrema, a política pública foi estendida para outros municípios da região, através do Programa Conservador da Mantiqueira.

Em São Paulo, o governo estadual mantém o PSA nas modalidades Proteção e Uso Múltiplo, executado como estratégia para o desenvolvimento do Programa Conexão Mata Atlântica. O PSA Proteção promove a conservação e a restauração de vegetação nativa e está em curso em dez municípios do Vale do Paraíba: Paraibuna, Redenção da Serra, Lagoinha, Cunha, Areias, Silveiras, Lorena, Guaratinguetá, Cachoeira Paulista e Taubaté. A modalidade já resultou na seleção de mais de 400 propostas, ações de conservação em 10.700 hectares e restauração em 650 hectares para restauração, envolvendo somas em torno de R$ 9 milhões.

O PSA Uso Múltiplo, por sua vez, fomenta ações de conservação e restauração da vegetação nativa associadas à melhoria da produtividade e renda dos envolvidos. A modalidade está sendo praticada pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente em São Luís do Paraitinga e Natividade da Serra, e pela Fundação Florestal, em Bananal, na APA São Francisco Xavier e na Zona de Amortecimento do Núcleo Itariru do Parque Estadual Serra do Mar (municípios de Itariri, Peruíbe, Pedro de Toledo e Miracatu).

Novas perspectivas foram abertas, para a ampliação da aplicação do conceito em todo território brasileiro, com a edição da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), nos termos da Lei 14.119 de 13 de janeiro de 2021. “A PNPSA é um instrumento de incentivo a medidas de manutenção, recuperação e melhoria da cobertura vegetal em áreas ambientalmente relevantes”, comenta Andrea Struchel, graduada em Direito e Mestre em Urbanismo pela PUC-Campinas, atual diretora jurídica da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA).

“Tal instrumento pode ser direcionado a produtores rurais, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que prestem serviços que ajudem a conservar áreas”, completa a especialista.

O PSA mais usual, observa Andrea, é para a manutenção ou recuperação de cobertura vegetal em áreas de conservação, com especial foco na proteção de nascentes. O pagamento aos envolvidos, como no caso de agricultores que contribuem para a proteção ou restauração de áreas, “pode ser direto (inclusive em dinheiro), ou na forma de outras compensações, como melhorias sociais em comunidades, certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação, ou títulos verdes (green bonds)”, assinala a especialista, que é diretora de Licenciamento Ambiental da Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Campinas.

Ela nota que, em Campinas, é mantido o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais desde 2015, instituído pela Lei Municipal nº 15.046/15 e abrangendo sete subprogramas e/ou projetos de PSA, “visando atender aos critérios de prioridade de conservação e recuperação dos recursos naturais”. Em função da urgência de ações pela segurança hídrica, no âmbito das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, onde Campinas está inserida, está em execução justamente o Pagamento pela Conservação das Águas e dos Recursos Hídricos (PSA Água).

Andrea Struchel lembra entretanto que a lei municipal permitiu outras outras formas de incentivo, por exemplo a Serviços Ambientais Carbono (ISA Carbono), à Regulação do Clima (ISA Clima), Conservação e Recuperação do Solo (PSA Solo), Conservação da Beleza Cênica Natural, da Sociobiodiversidade e Incentivo às Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN).

No momento, 15 propriedades rurais estão habilitadas no PSA Água de Campinas. Destas, nove propriedades já estão recebendo incentivo monetário, pois estão enquadradas como “Conforme” ou “Pleno”. O PSA Água já pagou, desde 2018, um total de R$ 93.393,41. Das nove propriedades que já recebem compensação financeira, três estão situadas na bacia do Rio Capivari, três na bacia do rio Atibaia e três na bacia do rio Jaguari.

IMPACTOS DO CLIMA INCREMENTAM BUSCA POR SEGURO RURAL

Um dos efeitos das perdas agrícolas decorrentes de eventos climáticos extremos em 2021 foi o incremento da procura pelo seguro rural, instrumento que entretanto ainda tem muito para crescer em São Paulo e no Brasil em geral.  “As mudanças climáticas em curso, aliadas à forte valorização das commodities agrícolas, têm estimulado o desenvolvimento do seguro rural”, comenta Luis Alcides Whitaker Vidigal, diretor da Prisma Agro, corretora de São Paulo. “O seguro rural é o principal instrumento para mitigar os riscos do agronegócio”, completa.

Ele nota que no estado de São Paulo os produtores “contam hoje com forte apoio dos governos federal e estadual e seus programas de subvenção ao seguro rural, que subvencionam partes dos custos do seguro”. Entretanto, Vidigal destaca que, “apesar do significativo apoio governamental e do crescimento que o setor vem registrando, a indústria do seguro rural é ainda muito pequena no estado”. Ele cita dados de 2020, indicando que eram cobertas por seguro, em território paulista, apenas 12,95% das áreas com café, 2,86% das áreas com cana-de-açúcar e 4,23% das áreas com milho da segunda safra.

Com efeito, ainda representa um desafio a maior disseminação do seguro rural nas diferentes regiões brasileiras. A Região Sul ainda concentra a maior parcela do seguro rural. Somente os estados do Paraná e Rio Grande do Sul somam 60% das apólices contratadas junto ao PSR, em 16 anos do Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural, do governo federal. Um das explicações, entende o diretor da Prisma Agro, é que na Região Sul é muito forte o cooperativismo na agropecuária. Com 14% das apólices contratadas, São Paulo está em terceiro lugar no ranking, vindo depois Santa Catarina (8%), Minas Gerais e Goiás (5% cada) e Mato Grosso do Sul (4% das apólices contratadas).

Luis Vidigal lembra que de forma geral o Brasil ainda está muito distante de outros países em termos de cobertura das atividades agrícolas pelo seguro rural. Nos Estados Unidos, mais de 90% das lavouras contam com seguro rural. Em países europeus e no Canadá, o índice é superior a 70%. No Brasil, menos de 20% da produção agrícola contam com seguro rural. A soja soma 44% das apólices contratadas junto ao PSR, seguida do milho de segunda safra com 12,5% e da uva com 9,4%.

De qualquer modo, a tendência é de crescimento da indústria do seguro rural no Brasil, como mostram os números dos últimos dois anos, em plena pandemia de Covid-19. Em 2020 houve um recorde histórico, com R$ 857 milhões liberados através do PSR para subvencionar a contratação de seguros pelos produtores rurais. O recorde foi batido em 2021, com R$ 907 milhões em subvenção até o dia 3 de novembro, segundo o Atlas do Seguro Rural do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

O PSR é a principal ferramenta governamental de subvenção ao seguro rural no país, mas também existem programas na esfera de estados e municípios. Em São Paulo, o programa estadual vai liberar R$ 57 milhões até o final de 2021 em subvenções, 11,7 % a mais do que os R$ 51 milhões de 2020. Também existem programas municipais, como os de Jundiaí, bancado pela Prefeitura para subvencionar parte dos produtores de frutas.

Em um ano marcado por uma seca intensa e por fortes geadas, o mercado de seguros realmente se movimentou bastante. O Conselho Nacional do Café (CNC) organizou um evento para apresentar as modalidades de seguro para a cultura cafeeira, que ainda tem uma cobertura muito reduzida no país. O MAPA, por sua vez, promoveu evento específico sobre seguro paramétrico e sua aplicabilidade para as culturas de café e cana-de-açúcar.

Uma inovação em 2021 foi o lançamento pela Bayer de um programa inédito de empresa do agronegócio que financia parte do seguro contratado pelo produtor rural. O benefício é exclusivo para os clientes do Impulso Bayer, programa de fidelidade e relacionamento. A cobertura é de 5 a 15% do seguro contratado pelo produtor, conforme a classificação do cliente no programa no Impulso Bayer.

“Intempéries climáticas estão ficando cada vez mais extremas, eventos que não aconteciam há cinquenta anos têm uma previsão maior de recorrência. O mercado está se movimentando bastante para oferecer novas alternativas em seguro e a subvenção é um dos grandes impulsionadores da contratação” observou Fabio Damasceno, diretor executivo de agronegócio da Fairfax, seguradora parceira da Bayer na iniciativa.

Produtor de soja e milho na região de Itaí, no interior de São Paulo, Luiz Antonio é um agricultor que não abre mão do seguro rural. “Sem o seguro não há condição de manter a propriedade e encarar os riscos”, diz o produtor, que é vinculado à Capal – Cooperativa Agroindustrial, sediada em Arapoti (PR) e que tem mais de 2 mil associados em quase 80 municípios do Paraná e São Paulo.

Luiz Antonio conta que a sua produção não sofreu muito com a estiagem em 2021. “Plantei metade da fazenda com sorgo, que é mais resistente à falta de água, e colhi bem. Também irriguei a partir de junho para o plantio de milho e feijão. E choveu quando plantava a soja”, relata o agricultura, que aplica então tecnologias apropriadas às condições ambientais de sua propriedade, além da cautela em manter o seguro rural, com as consequências positivas para a produção. Um exemplo em tempos de muita incerteza climática, que necessariamente tende a despertar cada vez mais a atenção do agronegócio paulista e brasileiro em geral.

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Fonte: Agência Social de Notícias

Foto: Adriano Rosa

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