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O dia 21 de setembro geralmente encerra o inverno e anuncia a chegada da primavera, estação das flores. No ano de 1931 seria inaugurado nesta data o Museu Florestal. Mas choveu demais na terra da garoa.

Naquela época, esse ainda nem era oficialmente o Dia da Árvore. A primeira Festa das Árvores realizada no Brasil, aconteceu em 07 de junho de 1902, no município paulista de Araras. O evento, que reuniu cientistas, autoridades públicas, músicos e 600 crianças, foi idealizado pelo naturalista sueco Alberto Löfgren e inspirado em celebrações realizadas em outros países, como o “Arbor Day” dos Estados Unidos. Em 1965, um decreto presidencial instituiu o Dia da Árvore. Devido às características climáticas do nosso país, teve sua data alterada para a última semana de março nas regiões norte e nordeste (início do período de chuvas), e para o dia 21 de setembro nas regiões sul, sudeste e centro-oeste.

A inauguração do Museu foi remarcada para o dia 30 de setembro e aconteceu em celebração à Festa das Árvores daquele ano. Em notícia publicada no jornal Diário Nacional no dia 29, às vésperas do evento, esperava-se a presença de 600 crianças, que plantariam árvores, passeariam pelas plantações, fariam um relatório para posteriormente apresentarem a seus colegas de classe, merendariam e visitariam o Museu.

As origens do Museu Florestal

No texto “Pra que serve um Serviço Florestal em São Paulo?”, publicado em 1896 na Revista Agricola, Alberto Löfgren defende:

“a creação de um museo florestal comprehendendo herbario, amostras de madeiras e todos os seus productos em todas as suas aplicações e colleções dos inimigos dos vegetaes com os casos pathologicos, e finalmente, não descurados os estudos das relações das mattas com o clima e com a hydrographia dos logares onde se acham”.

Löfgren é considerado o pai do Serviço Florestal do Estado de São Paulo. Membro da Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo, criada em 1886, foi o responsável pela desapropriação em 1896 do antigo Engenho Pedra Branca, na zona norte da capital paulista, para a criação de um horto botânico com campos para experimentação e serviço florestal na Cantareira. A área, atualmente, é popularmente conhecida como Horto Florestal e oficialmente leva o nome Parque Estadual Alberto Löfgren.

Com sede no Horto, o Serviço Florestal foi criado em 1911, já sob a direção do engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade , que foi o introdutor do eucalipto em larga escala no Brasil e também chefiava o Serviço Florestal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, uma entidade privada.

Em 1927, o cunhado de Navarro de Andrade, o português Octávio Vecchi, também engenheiro agrônomo empregado na Cia Paulista, assumiu a direção do Serviço Florestal do Estado de São Paulo. Naquele ano o Museu foi criado por lei. Sua construção teve início no ano seguinte. O Museu foi erguido na área de visitação pública do Horto. Vecchi pouco usufruiu de seu feito, tendo sido assassinado em janeiro de 1932, poucos meses após a inauguração.

Quem ficou tomando conta do espaço foi outro imigrante: o polonês Mansueto Koscinski, engenheiro silvicultor trazido por Vecchi à instituição. Naquele ano, o sucessor de Vecchi na diretoria do Serviço Florestal, José Camargo Cabral, transformou o Museu em Seção Técnica, tornando o espaço a sede da pesquisa científica na instituição.

Para que foi construído e o que tem dentro

O Museu Florestal foi concebido com o objetivo de mostrar ao público o trabalho do Serviço Florestal. Ao mesmo tempo funcionava como laboratório de pesquisa científica.

O próprio edifício é acervo, desde o forro, o assoalho, os lustres, os pórticos, as portas e as janelas que somam madeiras de mais de 30 espécies diferentes de árvores, aos vitrais com temas de fauna e flora nativas.

Algumas obras do acervo, como a pintura mural do hall de entrada e o tríptico de óleo sobre tela de grandes dimensões, foram concebidas originalmente para o espaço. Outras, como o mobiliário, as peças de charão (urushi), clichês e impressões de xilogravura e a coleção de dinossauros em madeira, foram sendo incorporadas ao longo das décadas. Os equipamentos de cinematografia, que fizeram bastante sucesso na década de 1940 como material educativo, também se tornaram acervo.

A coleção com cerca de uma centena de pranchas de madeira com entalhes botânicos certamente são o crème de la crème do Museu. Uma xiloteca sui generis em que cada espécie traz esculpida em si sua amostra botânica, que com suas folhas, flores frutos e sementes, tem o rigor de uma ilustração científica.

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O peso do nome

Não é raro escutar as pessoas chamando o espaço de “Museu da Madeira”. Mas esse não é e nem nunca foi seu nome. Sua lei de criação, de 1927, dá o nome de Museu Florestal. Em 1948, por meio de outra lei, o nome de Octávio Vecchi é incorporado.

Deixando a concepção legalista de lado e adotando um posicionamento político, é importante mencionar que a forma como a gente fala de algo diz muito sobre o que a gente espera dele, o que a gente imagina que seja sua missão, sua contribuição pra sociedade.

A madeira é o produto da floresta. Então quando chamamos de “Museu da Madeira”, estamos dizendo que a contribuição deste museu é mostrar às pessoas o valor econômico das árvores e das florestas, ou seja, mostrar quanto valem as árvores derrubadas. É um nome que traz consigo apenas o discurso econômico. Já se chamamos de Museu Florestal, não deixamos o discurso econômico de fora, mas trazemos um monte de elementos importantes que compõe a floresta: não apenas as árvores, mas todos os seres vivos que habitam nela, os animais, os fungos, as relações ecológicas entre eles, o ar puro, a água e o alimento que a floresta fornece, o conhecimento dos povos tradicionais e por aí vai…

Imagino que um “Museu da Madeira”, mostraria apenas a diversidade de madeiras, suas utilidades e curiosidades sobre elas. Já um Museu Florestal pode falar também da história da conservação, da pesquisa científica, das instituições envolvidas, de uma infinidade de relações. Então, se o primeiro se propõe a vender um produto predominantemente econômico, o segundo convida a um mergulho num vasto, complexo e muito mais divertido universo dos conhecimentos e práticas da conservação da natureza.

Mais do que uma simples opinião, esta reflexão sobre o nome do Museu é consequência do trabalho desenvolvido na minha pesquisa de mestrado, cujo exame de qualificação ocorreu coincidentemente há exato um ano, no Dia da Árvore.

O que o futuro reserva…

O Museu Florestal integrou desde seu primórdio Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, que teve algumas alterações de denominação ao longo dos anos. De 1986 para 1987, passou para a recém-criada Secretaria de Meio Ambiente, que em 2019 foi fundida com outras pastas (a. Saneamento e Recursos Hídricos e b. Energia e Mineração), sendo transformada em Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente.

Em 2020, o Instituto Florestal, que dava continuidade ao Serviço Florestal desde 1970, foi extinto e suas atribuições foram divididas entre a Fundação Florestal e o Instituto de Pesquisas Ambientais (resultado da fusão do Instituto de Botânica e o Instituto Geológico).

Atualmente, o Museu Florestal integra um pacote de concessões de áreas públicas à iniciativa privada. A licitação já ocorreu e teve apenas uma empresa interessada. Pelos próximos 30 anos, o Museu estará sob a gestão do setor privado. Agora é preciso fiscalizar se este patrimônio será devidamente protegido. E isso é dever não apenas do estado, mas principalmente da sociedade civil, que é a verdadeira dona do Museu (mas logo terá que pagar pra entrar).

Paulo Andreetto de Muzio, para o Blog da Unicamp

 

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