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Em 1992, movida pela vontade de utilizar seu conhecimento para “fazer algo útil à sociedade”, Alessandra Alves de Souza, que acabara de se graduar em Ciências Biológicas pela Universidade Católica de Pernambuco, decidiu que seria cientista. Depois de quase 30 anos de estudos — que culminaram na especialização em Ciência de Plantas, pela Cold Spring Harbor Laboratory —, a pesquisadora científica do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) pode finalmente afirmar que seu trabalho tem sido de grande utilidade à população brasileira, ainda que a maioria dela não saiba.

É preciso dizer que a aplicação das pesquisas elaboradas nos institutos científicos públicos do Estado de São Paulo está em toda parte, inclusive na produção da laranja e outros cítricos — uma das principais atividades econômicas do País. E é justamente aí que o trabalho de Alessandra Alves se destaca, tornando-a hoje uma das principais pesquisadoras brasileiras nesta área, como veremos adiante.

Segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), o Brasil é responsável por mais de 60% da produção mundial de suco de laranja e por movimentar cerca de US$ 2 bilhões em exportações do produto. E esses números poderiam ser ainda maiores, caso a citricultura brasileira não fosse afetada por várias doenças de origem bacteriana, há décadas. As duas doenças mais graves são o greening e o cancro cítrico, cuja incidência nas lavouras vêm aumentando exponencialmente e deixando para trás o “amarelinho” — que antes era a fitopatologia que mais preocupava os produtores.

No Estado de São Paulo e em Minas Gerais, por exemplo, cerca de 18% das plantas de cítricos são afetadas pelo greening e 12% pelo cancro cítrico. Isso significa que a produção de limão e laranja poderia gerar ainda mais lucros e ocupar uma fatia de mercado superior a que ocupa atualmente. Segundo o Fundecitrus, a citricultura nacional movimenta US$ 14 bilhões por ano, mas as perdas ainda são muito altas. Anualmente, cerca de 47 milhões de caixas de laranja são descartadas por conta de doenças como o greening, acarretando um prejuízo de quase R$ 950 milhões, ou 7% do faturamento do setor.

Essa realidade, no entanto, está prestes a mudar graças ao trabalho que Alessandra Alves, por meio do IAC, tem colocado em prática nos últimos anos. Duas pesquisas lideradas por ela merecem destaque: uma resultou em produto até então inexistente no mundo, voltado para o combate de doenças de cítricos, com ênfase na laranja; a outra segue a mesma linha, mas diz respeito ao desenvolvimento de um novo tipo de laranja, por meio da engenharia genética, muito mais resistente às doenças que atacam e reduzem a produção desta fruta em solo brasileiro.

A primeira pesquisa nasceu no laboratório do Centro de Citricultura do IAC, localizado em Cordeirópolis, no interior paulista. Dela resultou um produto inédito que, depois de testado e aprovado, passou a ser comercializado sob a forma de fertilizante. O princípio ativo utilizado na fórmula deste produto foi o N-acetil-cisteína (NAC), uma substância originalmente usada como expectorante no tratamento de infecções bacterianas em seres humanos. A ideia de testá-la em plantas surgiu com a constatação de que o medicamento era um poderoso antioxidante.

Em 2007, a pesquisadora tratava do filho gripado com o expectorante à base de acetilcisteína e teve uma “iluminação” ao ler a bula do medicamento. “Lendo a bula constatei que ele agia a partir da desestruturação dos mesmos agregados bacterianos que se formavam na Xylella fastidiosa, bactéria causadora de doenças que afetam os citros. Então resolvi verificar se a substância conseguiria romper o biofilme constituído pela comunidade de bactérias que infecta o pé de laranja.”, explica Alessandra.

Apoiada por recursos da Fapesp, a pesquisa revelou-se promissora logo em seus primeiros testes em laboratório, quando a molécula foi aplicada sobre a bactéria. Entre 2008 e 2010, os testes passaram a ser feitos diretamente em plantas e mostraram que poderia resultar em um produto comercial destinado ao setor de citricultura.

A bióloga Simone Picchi, que fazia pós-doutorado sob orientação de Alessandra Alves no Centro de Citricultura do IAC, foi incentivada por ela a abrir uma empresa e buscar financiamento com o objetivo de lançar o produto no mercado. Em 2015, a startup recebeu aporte do projeto Pipe e o licenciamento exclusivo de uma patente do NAC, voltada para uso agrícola. Hoje, a CiaCamp — da Ciência ao Campo — comercializa o produto para todo o Brasil e o investimento feito pelo Estado em pesquisa começa a retornar ao IAC em forma de royalties.

A aplicação do fertilizante nas lavouras tem gerado, entre outras coisas, aumento da produtividade, com melhoria na qualidade dos frutos. Além de atacar a proliferação de bactérias, a substância reduz o estresse oxidativo na planta, elevando sua resistência a doenças e a falta ou excesso de água e nutrientes. A expectativa é que o produto criado pelo IAC possa vir a ser, num futuro próximo, uma alternativa viável ao uso de inseticidas, que podem contaminar o meio ambiente. “É preciso deixar claro que o produto será aprimorado, embora já possa ser utilizado nas lavouras. Não se trata de um remédio, mas de um suplemento para as plantas que beneficia os frutos e não contamina o solo.”, diz.

Laranjas mais resistentes

Outra pesquisa do IAC liderada por Alessandra Alves de Souza que merece destaque é a que proporconou a criação de uma nova variedade de laranja, acrescidas de gene de tangerina, que se mostrou resistente ao “amarelinho”. O estudo nasceu a partir da necessidade de encontrar meios de tornar a laranja doce mais resistente a esta doença, reduzindo assim as perdas da produção e proporcionando melhor qualidade dos frutos.

Após identificar na tangerina alguns genes resistentes à Clorose Variegada de Citros, a pesquisadora e sua equipe isolaram os mais eficazes e implantaram em uma planta cobaia, para “ganhar tempo”. Isso porque, como explica a bióloga, a laranja leva três anos para se desenvolver e seu período inicial é de difícil manipulação genética. Após os resultados positivos na “cobaia”, o gene mais promissor da tangerina foi transferido para as plantas de laranja.

Alessandra faz questão de frisar que o cruzamento entre tangerina e laranja não é uma “anomalia” e já acontece de modo natural no ambiente onde as plantas coexistem. “Não se trata, portanto, uma fruta transgênica. Nós apenas transferimos o gene de uma espécie compatível com outra sob certos aspectos, acelerando um processo que ocorreria naturalmente, mas que poderia levar muitos anos.”, explica.

Por se tratar de um gene que impede o movimento sistêmico da bactéria pela planta, a pesquisadora do IAC acredita que a nova variedade de laranja poderá apresentar resistência a outros tipos de doença, além do “amarelinho”. Em 2020, a pesquisa começou a ser testada em campo e obteve bons resultados até agora. Porém, ainda serão necessários cerca de cinco anos para que se possa ter uma resposta definitiva sobre a qualidade dos frutos. Somente então será possível pensar em comercializar sementes de um tipo mais resistente de laranja doce. “Este é o tempo da ciência”, diz ela, “por isso insistimos na importância de o Estado investir em pesquisas a médio e a longo prazo, sem interrupções.”, afirma.

Bruno Ribeiro, para a APqC

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