Hamilton Ramos

Se hoje a aplicação de agrotóxicos se tornou uma prática mais segura à saúde dos trabalhadores do campo no Brasil, muito se deve ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e ao seu pesquisador Hamilton Humberto Ramos. Há quase 30 anos atuando como servidor desta instituição de pesquisa paulista, Ramos é considerado uma das maiores referências do País no uso correto de tecnologias relacionadas a defensivos agrícolas e na redução de impactos causados por eles na saúde humana e no meio ambiente.

Ramos conta que desde muito jovem tinha o desejo de trabalhar com agricultura, embora ninguém de sua família tivesse fazenda ou fosse proprietário de glebas. Sua relação com a zona rural era esporádica, mas intensa. Não lhe bastava a pesquisa de escritório, seu objetivo era o contato direto com a terra. “A isso chamo de vocação.”, define o pesquisador.

Depois de formado em Agronomia pela Unesp, no campus de Jabotical, Ramos foi trabalhar em cooperativa de Catanduva e montou uma empresa de consultoria em citros, café e cana-de-açúcar. Ganhava dinheiro, mas trabalhava mais do que deveria. Certo dia, exausto, dormiu ao volante. O veículo que conduzia entrou atrás de um caminhão e o acidente quase lhe custou a vida. Recuperado, decidiu mudar a rota profissional e, em 1993, ao saber que o IAC havia aberto concurso público para pesquisador em Tecnologia de Aplicação, não teve dúvidas: estudaria, prestaria e passaria.

Um ano depois, em 1994, Hamilton Humberto Ramos tornava-se oficialmente pesquisador do Centro Avançado de Pesquisa em Engenharia e Automação do IAC, localizado em Jundiaí. Desde então, segundo ele, tem exercido exatamente o papel que sempre almejou no mundo. “Morando no próprio local de trabalho, em contato diário com o mato e a terra, finalmente passei a ter o tempo necessário à pesquisa.”, conta. Além do salto em qualidade de vida, Ramos viu seu trabalho crescer em importância e alcance.

A partir do seu interesse em ampliar a segurança dos trabalhadores no cotidiano da agricultura convencional, decidiu se dedicar a desenvolver técnicas e equipamentos mais seguros para estes profissionais. Equipamentos que, nas palavras do pesquisador, pudessem assegurar “menor risco de contaminação não apenas ao trabalhador rural, mas também ao solo e aos alimentos.” Em contato permanente com agricultores, Ramos criou o Programa IAC de Qualidade em Equipamentos de Proteção Individual na Agricultura (Quepia), primeiro programa brasileiro de certificação voluntária de qualidade na área de segurança na agricultura.

A primeira etapa do Quepia deu-se em 2003, em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em 2006 o programa passou a avaliar EPIs no mercado e realizar estudos para criar novos materiais, de acordo com os padrões especificados. Até 2009, não existia uma norma de certificação agrícola. A empresa fabricante se responsabilizava pela qualidade do seu produto, sem uma avaliação externa. Ao oferecer ao setor um laboratório de avaliação de vestimentas, devidamente credenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o IAC tornou-se pioneiro.

No laboratório do IAC, em Jundiaí, as vestimentas produzidas pelas empresas de EPI são analisadas sob sua capacidade de resistência química e física, que envolve a penetração de agrotóxicos. O objetivo é identificar e solucionar problemas na confecção e na matéria-prima. “Hoje o Quepia é uma espécie de ‘selo de qualidade’ para vestimentas usadas no campo e auxilia os fabricantes na busca por materiais adequados em seus produtos.”, afirma Hamilton Ramos. Suas pesquisas serviram, posteriormente, como base para a legislação que dispõe sobre regras de segurança na agricultura.

No início do programa, quase 100% dos EPIs utilizados por trabalhadores rurais na aplicação de defensivos agrícolas foram reprovados nos testes. Em 15 anos de atuação junto às empresas, o Quepia reduziu o índice de reprovação para menos de 20%. Os resultados posicionaram o Brasil como o país com mais informações sobre a qualidade de vestimentas de proteção individual agrícola. O que isso significou em ganho para a saúde dos agricultores ainda não pode ser mensurado.

Aplique Bem

O IAC, tendo Hamilton Humberto Ramos à frente do programa, é responsável ainda pelo Aplique Bem, desenvolvido em 2007 em parceria com a empresa Arysta LifeScience, hoje UPL. O objetivo deste projeto é levar aos agricultores informações sobre a forma correta e segura de manusear pulverizadores e aplicar defensivos agrícolas em alimentos.

Em seus 14 anos de existência, o Aplique Bem contribuiu não apenas para a melhoria da saúde do trabalhador do campo, mas também para a segurança alimentar do consumidor final. Ramos cita como exemplo o caso de uma rede de supermercados do Estado de São Paulo onde uma parcela frutas, verduras e legumes acusavam a presença de resíduos químicos em níveis acima do permitido.

“Analisando os dados disponibilizados pelo supermercado acerca dos alimentos comercializados por ele, detectamos este problema e entramos em contato com os produtores que forneciam para a rede. O Aplique Bem foi até estes agricultores para oferecer um treinamento adequado. Sob monitoramento do IAC, 90% dos problemas foram sanados em cerca de um ano.”, diz o pesquisador.

Em todo o País, transformações passaram a ser percebidas após a implantação do programa. Estudos do Centro de Engenharia e Automação do IAC mostram que a transmissão de aspectos básicos sobre a aplicação correta de defensivos agrícolas tem relação direta com as reduções de até 70% na necessidade de água e agrotóxicos no tratamento fitossanitário, de 80% nos resíduos químicos em alimentos e de 90% no risco de contaminação do trabalhador.

No Brasil, mais de 70 mil trabalhadores já foram capacitados pelo Aplique Bem até o momento. O programa foi transferido também para outros países, entre eles México, Colômbia, Vitenam, Burkina Faso e Costa do Marfim. Em 2009, o Aplique Bem foi indicado como melhor programa de Stewardship e finalista do Prêmio Agrow Award, um dos mais relevantes do agronegócio mundial. “E ainda falta muita gente a ser alcançada por ele. Seguiremos adiante enquanto houver condições para isso.”, diz Hamilton Humberto Ramos.

Bruno Ribeiro, para a APqC

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