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Você já parou para pensar de que forma a pesquisa científica está presente no seu dia a dia? Ainda que nem todos saibam, a ciência está mais perto do que podemos supor. Ela está na comida que ingerimos, na vacina que tomamos, na tecnologia com a qual nos comunicamos ou nos deslocamos por terra, céu e mar. Ela está até mesmo nos detalhes mais inocentes, como o perfume que usamos após o banho.

A então estudante Marcia Ortiz Mayo Marques já sabia disso quando, a convite do Dr. Marco Zullo, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), conheceu in loco a Fazenda Santa Elisa, vinculada à instituição paulista. Ela já tinha ouvido falar de um grupo de pesquisadores que, no passado, desenvolvera ali a menta em solo brasileiro, e que isso resultara, entre outras coisas, em cremes dentais e produtos similares que passaram a ser fabricados no país.

Ver de perto o local onde o projeto teve início reforçou na estudante a convicção de que seu destino seria contribuir com a sociedade por meio da pesquisa científica. “Me encantei com o verde, com a natureza no entorno da fazenda. Minha especialidade era química e, naquela hora, desejei trabalhar no setor de óleos essenciais.”, conta.

Poucos anos depois da visita que mudaria sua vida, Marcia Ortiz voltaria ao local. Dessa vez como servidora pública ligada à Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Finalmente ela seria chamada de “pesquisadora do IAC”, função que se orgulharia de exercer desde o primeiro dia de trabalho. Hoje ela é uma das autoridades no Brasil quando o assunto é o desenvolvimento de novos óleos essenciais da biodiversidade brasileira para uso na indústria de perfumaria. Recentemente, em parceria com a empresa de cosméticos Natura, o IAC ajudou a desenvolver e a lançar no mercado uma linha de perfumes cuja fragrância era inédita no mundo.

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Composto pelo óleo essencial de Piper, uma pimenta da Mata Atlântica, o produto foi sucesso imediato de vendas e continua tendo boa procura. Não só pela fragrância até então desconhecida pelo olfato humano (dentre as catalogadas em frascos de perfume), mas pela qualidade do mesmo, atestada por especialistas do ramo. Em sua aparente “futilidade”, a indústria da perfumaria é uma potência – inclusive no Brasil, que em 2018 era o 4º país com o maior número de consumidores de perfumes. Em termos econômicos isso representa algo em torno de R$ 30 bilhões por ano.

“Algumas pessoas questionam a necessidade de o Estado investir nos institutos de pesquisa. Há quem diga que pesquisa não dá lucro e nem retorno financeiro à sociedade. Embora gerar lucro não seja a função de instituições públicas, não é verdade que não há retorno financeiro nas pesquisas. Neste caso específico da parceria com a Natura, a instituição obteve retorno em forma de royalties. Ou seja, o IAC tem participação nas vendas do produto.”, explica a pesquisadora.

Embora lançados no mercado entre 2018 e 2019, os perfumes Química do Humor e Urbano Noite, da Natura, começaram a ser gestados em 2006, quando um grupo de pesquisadores do IAC, integrado pela Dra. Marcia Ortiz, embrenhou-se no bioma da Mata Atlântica de São Paulo para procurar plantas com potencial aromático capaz de inovar a perfumaria nacional. Segundo ela, 120 espécies foram selecionadas pelo cheiro. A partir daí o processo foi longo: obtenção dos óleos essenciais, análise de composições químicas, avaliações olfativas, etc. Da extração da planta ao frasco foram 12 anos de trabalho.

A pesquisadora faz questão de frisar que a pesquisa da biodiversidade brasileira, feita diretamente na Mata Atlântica, sempre esteve associada à preservação ambiental. Para a fabricação dos perfumes, por exemplo, não foram retiradas plantas de seu habitat natural. Em vez disso, a equipe do IAC desenvolveu tecnologias de plantio para a Natura, de modo que a empresa pudesse cultivar e extrair a pimenta Piper de suas próprias estufas. “Mesmo que a espécie seja abundante dentro de seu ecossistema, fazemos questão de preservá-la do extrativismo predatório.”, afirma Marcia Ortiz.

À Revista da Fapesp, na época do lançamento da linha de perfumes, a Natura, por meio de seu Time de Ingredientes, comentou sobre a parceria entre empresa privada e instituição pública. Para ela, o desenvolvimento do País passa necessariamente pelo investimento em ciência e tecnologia nos institutos: “As empresas, em suas essências, necessitam de inovação para se diferenciarem em seus mercados de atuação e, por isso, são capazes de absorver conhecimento e tecnologia gerados nas instituições de pesquisa.”

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Outras pesquisas

Há quase 30 anos trabalhando com óleos essenciais, a Dra. Marcia Ortiz colaborou ainda em pesquisa realizada com uma planta que vive no Cerrado de Minas Gerais: a chamada arnica-mineira, arbusto comumente usado para o tratamento de hematomas. Graças à pesquisa do IAC, dessa vez em parceria com a Unicamp, o extrato vegetal da arnica pode ser usado também na produção de um enxaguatório bucal para combater a incidência de cáries.

A patente do produto foi concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e as pesquisadoras envolvidas, entre elas Marcia Ortiz, foram homenageadas com o Prêmio Inventores, na categoria Patente Concedida, em junho de 2019.

Conforme explica a pesquisadora, que é especialista em fitoquímica, as substâncias de plantas não são solúveis em água. Isso, teoricamente, inviabilizaria seu uso em enxaguantes bucais. A grande inovação da pesquisa foi desenvolver uma forma de solubilizar o óleo essencial e o extrato vegetal da arnica-mineira, fazendo assim com que pudessem ser incorporados a esse tipo de produto voltado à higiene bucal.

Bruno Ribeiro, para a APqC

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